As potências mundiais precisam se unir e reestruturar suas economias para um futuro verde ou "estaremos condenados", alertou o secretário-geral da ONU Antonio Guterres, para quem o fracasso em controlar a pandemia do novo coronavírus ilustra o perigo da desunião.
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"Acho que o fracasso demonstrado em conter a propagação do vírus - pelo fato de não haver coordenação internacional suficiente na forma como o vírus foi combatido (...) deve fazer os países entenderem que precisam mudar de rumo", disse ele à AFP antes da abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas em 21 de setembro.
"Eles (os Estado) precisam agir juntos em relação à ameaça climática, que é uma ameaça muito maior do que a ameaça da pandemia em si - é uma ameaça existencial para nosso planeta e para nossas vidas", insistiu em entrevistas com vários membros da aliança de mídia Covering Climate Now, que visa aumentar a cobertura de questões relacionadas ao clima.
Antes do vírus acometer o mundo, 2020 foi anunciado como um ano crucial para o plano da humanidade de escapar do aquecimento global catastrófico, com conferências de alto nível.
A crise do coronavírus pode ter deixado o clima de lado, à medida que as nações promoveram paralisações sem precedentes para tentar reduzir sua disseminação, mas Guterres afirmou que a necessidade de ação climática é mais urgente do que nunca.
Em uma contundente avaliação da resposta internacional, Guterres disse que a pandemia deveria intensificar o foco dos governos na redução das emissões, reivindicando que a crise seja usada como um trampolim para lançar políticas "transformadoras" destinadas a livrar as sociedades dos combustíveis fósseis.
O chefe da ONU advertiu que a desigualdade será agravada pelas mudanças climáticas e disse que "a poluição e não as pessoas" deveriam ser tributadas o máximo possível.
Ele pediu às nações que acabem com os subsídios aos combustíveis fósseis, lancem investimentos maciços em energias renováveis e se comprometam com a "neutralidade do carbono" - emissões líquidas zero - até 2050.
O Acordo de Paris entra em vigor este ano, iniciando os esforços para limitar o aumento da temperatura a "bem abaixo" de dois graus Celsius acima dos níveis pré-industriais.
Este acordo climático já estava no fio da navalha antes da pandemia, com dúvidas sobre os compromissos das principais nações poluidoras, além de preocupações de que as medidas estejam muito aquém do que a ciência aponta como necessário para evitar mudanças desastrosas.
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, chocou o mundo em 2017, quando disse que seu país - o maior emissor da história - estava se retirando do Acordo de Paris. A saída está prevista para 4 de novembro, um dia após a eleição presidencial.
Segundo Guterres, muito agora está nas mãos dos seis maiores emissores - China, Estados Unidos, Europa, Rússia, Índia e Japão.
"Ou nos unimos ou estaremos condenados", afirmou na série de entrevistas à AFP, NBC e Telemundo.
"Nunca fomos tão frágeis, nunca precisamos de tanta humildade, unidade e solidariedade como agora", acrescentou, criticando duramente as "demonstrações irracionais de xenofobia" e a ascensão do nacionalismo.
Os alertas sobre mudanças climáticas não são mais previsões para um futuro distante. A temperatura média da superfície da Terra subiu um grau Celsius desde o século XIX, o suficiente para aumentar as secas, ondas de calor e ciclones tropicais.
A queima de combustíveis fósseis tem sido de longe o principal causador do aumento das temperaturas, com as concentrações de CO2 na atmosfera agora em seus níveis mais altos em cerca de três milhões de anos.
Os últimos cinco anos foram os mais quentes já registrados, enquanto as camadas de gelo estão derretendo a uma taxa que acompanha os piores cenários previstos pelos cientistas, o que deve levar a aumentos devastadores do nível do mar.
"Nossas expectativas para os próximos cinco anos em relação a tempestades, secas e outros impactos dramáticos nas condições de vida de muitas pessoas em todo o mundo são absolutamente terríveis", disse Guterres. "É hora de acordar."
A ONU acredita que ainda é possível alcançar um limite de 1,5°C no aumento da temperatura, mas para isso as emissões globais devem cair 7,6% ao ano nesta década. Embora as paralisações causadas pela pandemia possam diminuir as emissões em 2020, os cientistas advertem que, sem alterações sistêmicas na energia e na alimentação mundial, a queda seria quase insignificante.
Há preocupações de que os enormes pacotes de estímulo concedidos pelos governos devido à covid-19 possam levar a uma recaída aos maus hábitos e fornecer uma muleta para indústrias poluentes.
Recentemente, Guterres se manifestou contra a dependência do Japão, da Índia e da China de carvão altamente poluente. Maior poluidor do mundo e signatária do Acordo de Paris, a China investiu pesado em energias renováveis, mas ao mesmo tempo aumentou sua produção de carvão.
Para Guterres, nos EUA, não há hoje nenhum sinal claro de que alguma política de governo se alinharia ao acordo, mas ele tem esperança de que estados, empresas e indivíduos "compensem a falta de compromisso político que existe no momento".
A União Europeia anunciou em julho um pacote de recuperação de 750 bilhões que, em parte, será usado para atingir metas de neutralidade de carbono. O chefe da ONU afirmou estar esperançoso de que o bloco cumpra seus compromissos ambientais.
Ele disse que a pandemia mostrou a capacidade da sociedade de se adaptar, acrescentando que a humanidade não deve retornar aos hábitos poluentes do passado. "Acho que precisamos ter um mundo diferente, um normal diferente, e temos a oportunidade de fazer isso."