Após ter anulado a sentença que permitia o acesso ao aborto nos Estados Unidos, a Suprema Corte do país, muito conservadora, iniciou nesta segunda-feira (3) um novo período de sessões, que poderia terminar com outras duras decisões, especialmente sobre os direitos dos afro-americanos e dos casais de mesmo sexo.
Discriminação, direitos eleitorais, imigração. São vários os casos explosivos na agenda da mais alta instância judicial americana, que tem, pela primeira vez em sua história, uma mulher negra entre seus magistrados.
A chegada de Ketanji Brown Jackson, nomeada pelo presidente democrata, Joe Biden, não modificou o equilíbrio de forças no templo do direito dos Estados Unidos, que mantém uma maioria sólida de seis juízes conservadores em um total de nove, três deles nomeados pelo ex-presidente republicano Donald Trump.
Entre 2021 e 2022, "a corte se apoiou neste bloco conservador para voltar [atrás] em jurisprudências estabelecidas há tempos" e "parece estar disposta a continuar (...), sem restrições", segundo David Cole, diretor-jurídico da influente organização de defesa dos direitos civis, ACLU.
Em junho, a Suprema Corte revogou a sentença que há cerca de 50 anos garantia o direito ao aborto nos Estados Unidos, expandiu o direito ao porte de armas, reforçou o lugar da religião na esfera pública e limitou os poderes da agência encarregada da proteção ambiental.
Suas decisões mergulharam a esquerda na confusão e regozijaram os conservadores, que denunciavam há anos o "ativismo judicial" da Corte, transformada em árbitro de grandes debates sociais.
Ilya Shapiro, especialista do centro conservador de pensamento Manhattan Institute, avalia que a Corte está em processo de corrigir "os excessos" dos anos 1970.
DISCRIMINAÇÃO
Para Shapiro, a sentença que definiu, em 1978, o marco legal para os programas de discriminação positiva na admissão às universidades é o próximo da lista.
Em 31 de outubro, a máxima corte dedicará uma audiência aos mecanismos de seleção da prestigiosa Universidade de Harvard e da Universidade pública da Carolina do Norte.
Estes estabelecimentos, assim como muitos outros, levam em conta critérios de raça para assegurar a diversidade dos estudantes e corrigir a menor presença de jovens negros e hispânicos devido ao passado segregacionista dos Estados Unidos.
Estas políticas, consideradas por alguns um "racismo às avessas", sempre foram objeto de oposições legais, mas até agora estas iniciativas fracassaram.
A mesma Suprema Corte considerou em duas ocasiões que as universidades podiam levar em conta certos critérios raciais com a condição de que estes sejam usados apenas para assegurar a diversidade da população estudantil, mas agora parece pronta a voltar atrás.
DEMOCRACIA
Em outro caso, relacionado ao mapa eleitoral no estado do Alabama e na agenda a partir da terça-feira, a Corte poderia desmantelar parte da emblemática lei de 1965, que pôs fim às regras segregacionistas que limitavam o direito ao voto dos afro-americanos do Sul.
Esta lei sobre "direitos civis" permite a criação de distritos eleitorais de negros para assegurar que tenham representantes no Congresso. Mas é ilegal concentrá-los em um único distrito ou distribuí-los em vários a fim de diminuir o peso de seus votos.
O tema é de muita importância em um país onde os eleitores negros votam majoritariamente nos democratas e os eleitores brancos têm maior tendência a apoiar os republicanos.
Outro caso, proveniente da Carolina do Norte, poderia "ter duras consequências para a democracia", segundo Sophia Lin Lakin, que acompanha temas eleitorais para a ACLU.
Os legisladores republicanos deste estado defendem uma nova interpretação da Constituição que, se for retomada pela Suprema Corte, daria "um poder sem controle aos legisladores locais sobre a organização das eleições federais", avalia a especialista.
BOLOS E SITES
Cinco anos depois de ter dado razão a um confeiteiro cristão que não queria vender um bolo de casamento a um casal de homens, a Suprema Corte voltará a este tema sensível, apresentado desta vez por um criador de sites na internet.
Em 2018, a Corte havia emitido uma sentença de alcance limitado. Mas desta vez, poderia autorizar de forma mais ampla os comerciantes cujos produtos têm natureza "criativa" a eludir as leis antidiscriminação em nome de suas convicções religiosas.
Seguindo esta lógica, "os arquitetos poderiam se recusar a projetar casas para famílias negras, os confeiteiros a fazer bolos de aniversário para crianças muçulmanas (...)", teme David Cole.
De hoje até 30 de junho, quando se encerram as sessões, espera-se que a máxima corte também decida sobre as políticas de expulsão dos imigrantes sem documentos, a pena de morte ou políticas de adoção de crianças indígenas nativas.
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