A Rússia realizou um treinamento militar simulando um contra-ataque nuclear contra a Ucrânia nesta quarta-feira, 26, enquanto autoridades do Kremlin, incluindo o presidente Vladimir Putin, continuam a alimentar a narrativa de que Kiev pretende atacar o próprio território com uma "bomba suja" - explosivo contaminado com material radioativo ou agentes químicos - e culpar Moscou pelo ataque.
"Sob a liderança do comandante supremo das Forças Armadas, Vladimir Putin, as forças de dissuasão estratégica terrestres, marítimas e aéreas realizaram treinamento, durante o qual foram feitos lançamentos práticos de mísseis balísticos e de cruzeiro", comunicou o Kremlin em nota publicada nesta quarta.
Pelo menos um míssil balístico, com capacidade de carregar uma ogiva nuclear, foi lançado sobre a península de Kamchatka, no Extremo Oriente do país, enquanto um segundo explosivo foi disparado de um submarino nuclear das águas do mar de Barents, no Ártico. Aviões bombardeiros de longo alcance Tu-95 também participaram da movimentação, simulando bombardeios. O treinamento foi considerado um sucesso pelo Kremlin, que alega que todos os mísseis atingiram seus alvos.
Em um vídeo divulgado na TV estatal russa, Putin aparece em uma sala de reuniões em Moscou, assistindo ao treinamento e conversando com o ministro da Defesa, Serguei Shoigu, que classifica os exercícios militares como um sucesso. Segundo Shoigu, os exercícios praticaram "um ataque nuclear maciço por forças ofensivas estratégicas em resposta a um ataque nuclear inimigo".
Embora Moscou tenha informado os Estados Unidos com antecedência sobre a realização dos exercícios estratégicos, que são anuais e levam o nome de "Grom" (Trovão, em português), conforme estipulado pelos tratados de desarmamento, o treinamento em meio ao endurecimento da retórica russa sobre o uso de uma "bomba suja" por Kiev aumentaram a preocupação de aliados ocidentais sobre a uma possível escalada nuclear na guerra na Ucrânia, a partir de uma operação de bandeira falsa.
Pesa também o fato deste ter sido o primeiro treinamento das forças nucleares russas a serem realizados desde o início da campanha militar russa na Ucrânia, no mesmo dia em que Putin repercutiu - e reafirmou - a narrativa russa sobre o uso do armamento irregular pelos ucranianos. "Também se sabe sobre os planos de usar a chamada bomba suja para provocar", disse Putin.
Em um encontro virtual com líderes de ex-repúblicas soviéticas após a conclusão dos exercícios militares, o presidente russo afirmou que "o confronto geopolítico aumentou acentuadamente" e acusou os EUA de usarem a Ucrânia como um "aríete" contra a Rússia, repetindo alegações sem comprovação de que os americanos estariam usando o conflito no Leste Europeu para testar armas biológicas, segundo relato do Financial Times.
Shoigu, que antes havia ligado para vários de seus colegas ocidentais para emitir o mesmo aviso repercutido por Putin nesta quarta, repetiu-o em ligações com os ministros da Defesa da China e da Índia, disse o Ministério da Defesa russo.
O ministro da Defesa da Índia, Rajnath Singh, disse a Shoigu que nenhum dos lados deve recorrer à "opção nuclear", de acordo com um comunicado do órgão de governo indiano. "A perspectiva do uso de armas nucleares ou radiológicas vai contra os princípios básicos da humanidade", disse ele no comunicado.
Uma bomba suja não é um artefato nuclear, mas o alerta de Biden refletiu a preocupação cada vez mais urgente em Washington e entre aliados ocidentais de que a Rússia possa estar procurando um pretexto para lançar uma arma nuclear. Na terça-feira, o presidente dos EUA, Joe Biden, alertou Putin de que seria "um erro incrivelmente grave" usar uma arma nuclear tática no conflito.
Apesar das críticas e alertas ocidentais sobre as alegações russas, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, insistiu que Moscou tinha informações sobre "uma preparação em andamento na Ucrânia para um ataque terrorista desse tipo". "Continuaremos a informar energicamente a comunidade global sobre o que sabemos para persuadi-la a tomar medidas para evitar essa ação irresponsável do regime em Kiev", disse Peskov a repórteres.
Espera-se que Serguei Lavrov, o ministro das Relações Exteriores da Rússia, levante a questão de uma possível bomba suja - que não se sabe ter sido usada antes em combate - no Conselho de Segurança das Nações Unidas, embora o momento exato desse movimento permaneça incerto.
BOMBARDEIOS
O aumento da preocupação com a escalada do conflito não repercutiu em nenhuma cautela no campo de batalha, onde novos ataques foram registrados nos dois lados do front.
Autoridades ucranianas afirmaram que o Exército russo atacou mais de 40 localidades em diferentes partes do país nas últimas 24 horas, matando pelo menos dois civis e forçando muitos outros a correrem para abrigos antiaéreos durante a noite. As forças russas teriam lançado cinco foguetes, 30 ataques aéreos e mais de 100 ataques com foguetes de lançamento múltiplo contra alvos ucranianos, segundo o Estado-maior.
Um ataque russo atingiu um posto de gasolina na cidade de Dnipro, matando duas pessoas, incluindo uma mulher grávida. O governador da região de Dnipropetrovsk, Valentin Reznichenko, disse que quatro pessoas feridas foram hospitalizadas.
Em Mikolaiv, uma cidade portuária do sul perto da linha de frente da guerra, moradores fizeram fila para receber pão e porções de comida enlatada, à medida que os aumentos nos preços dos alimentos e as perdas de renda aumentam os encargos de guerra das famílias de baixa renda na Ucrânia.
Mísseis atingiram vários prédios e bairros da cidade na terça-feira, embora ainda não esteja claro se houve vítimas, segundo as autoridades locais.
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