Mais de 100 milhões de pessoas foram às urnas neste domingo (2) para escolher a primeira presidente do México, nas maiores eleições da história do país. A disputa ocorreu entre a favorita Claudia Sheinbaum, do partido governista Morena, e Xóchitl Gálvezz, do Partido de Ação Nacional (PAN), em um cenário marcado por dois grandes desafios nos próximos seis anos: a violência e a imigração.
O primeiro é um problema que persiste há décadas e está interligado com as guerras entre os cartéis de droga do país.
Nos último seis anos, o presidente Antonio Manuel López Obrador adotou a política de "Abrazos, no balazos", que pode ser traduzida como "abraços, não tiros", com o discurso de que combate ao crime deve se dar a partir de suas raízes, como a pobreza. "Deve se enfrentar o mal com o bem", costumou dizer durante seu mandato.
As promessas de pacificação, porém, não colocaram fim aos conflitos.
Mais que um tema central, a violência atingiu em cheio a campanha eleitoral, considerada a mais sangrenta na história recente do México.
Foram 82 assassinatos relacionados ao processo eleitoral, sendo 34 de candidatos ou aspirantes, e os números tendem a ser ainda maiores.
Desde que o levantamento foi publicado pelo think tank Laboratório Electoral, não pararam de circular vídeos de políticos locais assassinados, corpos crivados de balas estendidos no chão, comícios encerrados por tiros à queima roupa
"Por mais que falem da violência pela circunstância eleitoral, há estabilidade política no México", minimizou Obrador no começo da semana. "Ainda há problemas de insegurança e violência, muito localizados e devido a questões especiais que têm a ver com o confronto entre gangues, a luta pelos mercados, especialmente para o consumo de drogas", disse.
Mas, segundo analistas, a violência política é um reflexo de como os cartéis avançam para ampliar o seu domínio sobre o México. Em busca de influência nas polícias municipais e estaduais, os criminosos tentam cooptar candidatos a partir do financiamento de campanhas e tem retirado da disputa, na base da bala ou da ameaça, os políticos que contrariam seus interesses ou foram cooptados por grupos rivais.
Imigração
O segundo desafio, a imigração, passou ao largo das discussões políticas antes das eleições, mas é um tema de preocupação crescente no México devido às relações com os Estados Unidos.
"A relação com os Estados Unidos é a relação mais difícil para nós, mexicanos", disse o analista político Agustín Basave. "(O ex-presidente Enrique) Peña Nieto e depois López Obrador cometeram erros graves na relação com Donald Trump. O México está fazendo o trabalho sujo para os Estados Unidos em matéria de imigração. Isso é vergonhoso."
Os dois países têm um acordo que prevê que o México reforce o controle da fronteira para impedir que os imigrantes cheguem ao solo americano e tem atravessado governos.
"O que existe atualmente é a continuação da política proposta por Trump, que levou o México a se tornar um filtro para impedir a imigração", afirmou o analista Roger Bartra. "Trata-se de uma política repressiva a serviço dos Estados Unidos e Joe Biden também se aproveitou disso", acrescenta.
O México prendeu, no ano passado, o número recorde de 782 mil pessoas em situação irregular, um aumento de 44% em relação a 2022.
Discretamente, o governo também tem colocado imigrantes em ônibus e os levado para longe dos Estados Unidos, em resposta à pressão do governo americano para conter o fluxo na fronteira, que colocou Joe Biden na mira do Partido Republicano em ano de eleição nos EUA.
Legado de Obrador
As eleições também mostram o legado controvertido do governo de esquerda de AMLO, como é conhecido o atual presidente do país. Obrador implementou políticas de transferência de renda elogiadas e que serviram como o recurso mais forte de sua partidária, Claudia Sheinbaum, nestas eleições. Mas também deixou uma marca autoritária no governo, com ataques à imprensa e uma proposta de reforma constitucional para aumentar a interferência do Executivo em outros poderes.
"A parte negativa do seu legado é o autoritarismo e o afã de concentrar poder em suas mãos, de converter o México no país de um homem só", afirmou o analista Agustín Basave.
Muitos eleitores externaram frustração com o governo atual e optaram por anular o voto ou votar em Xóchitl Gálvez, a candidata de oposição. Cristina Paoli, ilustradora de livros infantis de 44 anos, faz parte do primeiro grupo.
Ela disse que sempre votou na esquerda, mas no domingo anulou o voto pela primeira vez na vida. "Me dói muito fazer isso, mas sinto que fui traída", afirmou. "Ele (AMLO) abandonou as pautas de esquerda, das mulheres, do meio ambiente. Não posso dar o meu voto para o Morena e sinto que não tenho opção", acrescentou.
Para outros, as políticas de transferência de renda foram decisivas para escolher a continuidade do Morena. "Minha expectativa é que o projeto político atual continue", declarou o terapeuta Eduardo Suarez, de 64 anos, na fila de votação. "Pela primeira vez as classes mais baixas, que sempre foram esquecidas e prejudicadas pela corrupção foram beneficiadas."
A eleição ocorreu com tranquilidade nas maiores cidades do país, mas episódios de violência foram registrados em Querétaro, centro-norte, e em San Juan Benito Juarez.