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O legado de Mauro Arruda

EDGAR VICTOR
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EDGAR VICTOR
Publicado em 08/08/2020 às 6:00
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Desde muito jovem e até sua partida, aos 89 anos, dia 21 de julho, Mauro Barbosa Arruda foi referência da cirurgia torácica e cardíaca no Recife. No início dos anos 70, junto a Ivan Cavalcanti e Carlos Moraes, formamos o quarteto que alavancou a Cardiologia do Hospital Português e fez da especialidade o carro chefe. Ivan se foi, agora partiu Mauro. Com profundo sentimento de tristeza, revisito a trajetória do querido amigo.

Entre as décadas de 50 e 60, o Hospital Pedro II passava a assumir a forma, que se pretendia moderna, de um hospital de clínicas da Faculdade de Medicina da então Universidade do Recife. Vivia-se uma efervescência de mudanças e propostas. Fora criado, então, o primeiro programa de residência médica da região; os recém-empossados professores titulares de Cirurgia Torácica (1959) e de Clínica Médica (1960) preparavam suas equipes e buscavam recursos para reformar e adequar as velhas instalações. Por meio de convênios e às vezes por iniciativas pessoais, investiu-se na qualificação de profissionais.

A cirurgia cardíaca, que havia sido praticada no Recife de forma esporádica, passava a ter sede nova, instrumental e equipamentos importados. À época, a medicina mantinha traços de uma prática elitista e provinciana. Para um cirurgião jovem de Bom Jardim, não seria fácil quebrar arestas que poderiam emperrar um sonho profissional. Particularmente considerando que sua aspiração era dirigida à recém-implantada cirurgia cardíaca. Para isso, o jovem cirurgião utilizou dois instrumentos: o caráter e o talento. Mauro era um cirurgião que resolvia os problemas, independente do reconhecimento do mérito ou da atribuição de lauréis.

Compartilhou seus conhecimentos com os colegas. Cantarolando ou assobiando baixinho nas horas de maior tensão no campo cirúrgico, ágil, frio no trabalho - ele que carregava toneladas de emoção. Passamos a trabalhar juntos, já fora do berço, numa mesma equipe, por 18 anos. Quebrada essa etapa, foi testada a sua capacidade de mobilizar-se. Talvez a experiência anterior tenha determinado que reagrupar-se significava cercar-se da sua prole. Juntou as duas filhas, o filho e mais nora e genro, numa equipe que abrangeu outros médicos. Além deles, há hoje espalhado pelo Brasil um sem-número de cirurgiões cardiovasculares também formatados com sua argamassa. Permaneceu enquanto pôde dividindo sua labuta, disponibilizando suas qualidades aos companheiros mais jovens com aspirações na carreira. Aqueles mesmos distintivos de que se valeu nos anos difíceis - o talento e o caráter — continuaram como seus instrumentos maiores até o fim.

Edgar Victor, cardiologista e professor emérito da UFPE

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