Era uma quarta-feira de 1990. Às 17h, um bate-papo antecipadamente previsto com Tarcísio Pereira, idealizador da livraria Livro 7. Meu pai, Amaro Quintas, a frequentava todas as tardes. Por lá chegava às 16h30 e demorava-se até 18 horas. Nunca faltava. Comparecia religiosamente. A rotina se mantinha de tal forma que jamais admitiu variações. Aos 83 anos, consolidava os antigos caminhos. Naquele período, já com algum esquecimento. Então, chegava diariamente em casa com vários livros à mão. Guardava-os no gabinete, as prateleiras se abarrotavam. Observava eu que a cada dia o número crescia. Foi quando resolvi conversar com Tarcísio.
No espaço aberto, reservado ao bate-papo, sentamos para dialogar. Falamos da vida, do cotidiano da livraria, de alguns best-sellers e assim por diante... Impressionava-me o humanismo que dele brotava, a noção de solidariedade, o entendimento de um homem que não se conformava com as injustiças sociais e políticas. Gostava de discorrer sobre a tarefa de ordenar uma loja de Livros que se mantinha no auge, não somente em relação aos textos exibidos, mas, sobretudo, ao aconchego ali gerado. Todos se sentiam à vontade. E externavam tal sentimento diuturnamente.
Espaço original, a loja não possuía balcão, livros em prateleiras abertas; uma comunicação de todo espontânea. Escolhida a compra, as pessoas iam a um vendedor que transitava em meio às estantes e o processo ali finalizava. O formato se diferenciava no toque de extrema liberdade: tamanho imenso — 1.200 metros quadrados, acervo em torno de 60 mil livros. Tarcísio elaborou um modelo excepcional no Brasil. O objetivo: permitir aos intelectuais um vagar completamente livre. Nada de limitações; predominava a ideologia do que se queria ofertar. Espaço amplo. Beleza na distribuição. Permanente aconchego aos leitores. E a Livro 7 tornou-se o Centro do Pensar. Por lá imperava o Diálogo das Ideias. Ambiente que estimulava o convívio.
Mas retorno à quarta-feira. Resolvemos subir até o gabinete no primeiro andar. Remetemos à dificuldade das escolhas, ao processo de divulgação, enfim, à simbologia do livro como expressão de pensamento. Foi quando foquei o que desejava lhe falar. "Meu pai estaria adquirindo exemplares sem registrá-los no caixa? Desejava pagar-lhe o necessário". Tarcísio riu, afagou minhas mãos e disse: "Dr Amaro pode levar a livraria inteira. Ele é mais responsável do que eu por este ambiente. A sua doação completa às Letras nos ensinou a amar cada página de livro". Abracei-o e chorei.
Fátima Quintas, da Academia Pernambucana de Letras
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