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As crianças, não!

"Tem sido mesmo difícil não chorar! Só não dá para segurar, e as lágrimas escorrem descontroladas, quando falta oxigênio nas incubadoras dos recém nascidos." Leia a opinião do médico Sérgio Gondim

SÉRGIO GONDIM
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SÉRGIO GONDIM
Publicado em 05/02/2021 às 7:00
FREEPIK/BANCO DE IMAGENS
Os últimos casos de sarampo foram confirmados, em Pernambuco, no ano de 2020, em um total de 38 - FOTO: FREEPIK/BANCO DE IMAGENS
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Muitas vezes é preciso segurar o choro, mas tem sido difícil ultimamente. Não por causa do egoísmo estampado nas atitudes em praias e praças, não por causa da insensibilidade com relação às políticas sociais que poderiam dar um rumo ao país. Não por causa do desprezo à ciência. Não pela má qualidade do ensino público nem pela falta de apoio ao SUS. Não pelos argumentos fornecidos ao conservadorismo pelos que se corromperam, não pelo cinismo com que são divulgadas notícias falsas. Não pelo domínio da violência e milícias onde o estado falta. Não pelo futebol de Pernambuco, caindo pelas tabelas, nem pelo encolhimento do estado em muitas áreas. Não por tantas vidas perdidas na pandemia.

Não por ficar um ano sem ir ao restaurante, nem por sentir medo e culpa ao beijar a filha. Não porque a Ford partiu, nem por causa dos desvios de verbas públicas durante a pandemia. Não por perceber que seiscentos reais são a salvação para muita gente enquanto outros não tem como gastar nem esconder o tanto roubado. Não por ouvir críticas a esposa do presidente de outro país, nem por saber que se um caminhão tombar, a carga vai sumir.

Quase não dá para conter as lágrimas quando a fiação da cidade dá um nó desafiando os administradores ou ao ver a propaganda dizer que a cidade é linda, ao invés de educar para que seja limpa. Os olhos ficam mareados quando desaparece a serpente no abandono do Parque das Esculturas e quando o desestímulo à cultura e aos artistas locais atentam contra as tradições. Vem um aperto no peito quando no lugar da quarta feira ingrata, virá um ano inteiro, só para contrariar.

É preciso fazer força para segurar as lágrimas quando um ministro obedece a quem deveria orientar tecnicamente. Quando a insensibilidade aglomera e dá mal exemplo sem máscara. Quando uma vacina é julgada politicamente, quando se anuncia um remédio que só serve para relaxar a prevenção ou quando palpites causam mortes e desemprego.

Tem sido mesmo difícil não chorar!

Só não dá para segurar, e as lágrimas escorrem descontroladas, quando falta oxigênio nas incubadoras dos recém nascidos.

As crianças do Brasil merecem respeito, escolas, lazer, poder brincar com o mundo Bita, ter um futuro melhor.

Se está tudo difícil, ao menos lhes seja permitido respirar.

P.S. Pelo menos sobrou uma lágrima feliz: emoção pela eficiência da vacinação dos mais idosos no Recife.

Sérgio Gondim , médico

 *Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC

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