Houve tempo em que Recife tinha excelentes livrarias. Livrarias com gerentes humanos, profundos conhecedores do gosto de sua clientela. Na Rua do Hospício ficava a Médico-Científica, bem defronte do Cine e Teatro Parque. Seu atencioso gerente, cujo nome esqueço agora, foi ser delegado de polícia quando saiu de lá. Comprei muitos livros a ele, todos à prestação, assinando notas promissórias. Lembro-me, em especial, dos livros de Introdução à Ciência do Direito, dos argentinos Aftalion e Abelardo Torré e do baiano Hermes Lima, em 1954.
Na Rua da Imperatriz, pontificavam a Livraria Imperatriz, de propriedade de Berenstein, muito chegado aos intelectuais da província, e a Livraria Editora Nacional, do lendário Aluízio da Editora. Nela, Jorge Amado lançou seu romance Tereza Batista Cansada de Guerra, escrito na casa de veraneio do poeta Carlos Pena Filho, na praia de Maria Farinha. Certo dia, Aluízio me telefona: "Fernando Lobo lançou agora um livro chamado À Mesa do Vilariño e transcreve uma crônica sua sobre Recife, publicada no Diário de Pernambuco - lhe interessa?" Claro. "Vou lhe mandar." Eram assim os livreiros de priscas eras.
Ainda daquela época, comprei na Livraria Brandão a coleção completa de Dostoievski, da Globo; a de Balzac, com tradução e prefácio de Paulo Rónai, e a linda coleção da obra completa de José Lins do Rego, pela José Olympio. Na ocasião, comprei também a coleção do prêmio Nobel de literatura com seus respectivos ganhadores e belas ilustrações. Mas não nos esqueçamos do livreiro Melquisedec, com sua livraria na Praça do Sebo. Figura humana simples e simpática.
Não vou demorar falando do companheiro Tarcísio Pereira, da Livro 7, considerada a maior livraria do Brasil. Não precisa. Eu não conseguia passar um dia sem percorrer as inúmeras estantes da casa, folheando uma grande quantidade de volumes dos mais importantes autores da literatura mundial. Penso que oitenta por cento dos livros de minha estante foram comprados lá, sempre a vista e com o generoso desconto de 10%. Depois da compra, subia para tomar um cafezinho com ele. Ajeitando seu inseparável boné, ele ria: "Vamos conversar. Não falaremos mal de ninguém, somente comentaremos." Ele sabia da vida particular de todos do Recife. Deveria ter escrito uma excelente autobiografia citando as figuras mais famosas e interessantes da capital pernambucana. A comunidade de artistas, professores, intelectuais, escritores, poetas e boêmios recifenses está órfã depois de sua partida. Saudades.
Arthur Carvalho, Federação Internacional dos Jornalistas
*Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC
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