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Obama, tea party e China

"Conseguirão os Estados Unidos e a China escapar da "Armadilha de Tucídides", quando a potência líder sentindo-se ameaçada pela emergente vai a guerra, ou a cooperação será possível?". Leia a opinião de Raul Jungmann

Raul Jungmann
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Publicado em 04/03/2021 às 6:01
Foto: JIM WATSON / AFP
Em autobiografia, Obama chama a atenção para uma superpotência com dificuldades crescentes de dar conta das suas posições globais sob crescente pressão - FOTO: Foto: JIM WATSON / AFP
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No dia 16 de dezembro de 1773, no porto de Boston, se iniciou o "Tea Party Movment". Colonos americanos jogaram ao mar cargas de chá, em protesto pelos altos impostos cobrados por sua majestade, o rei Jorge III da Inglaterra.

Esse ato foi o estopim da união dos americanos na luta pela sua independência. Mais de duzentos anos após, em 2009, uma outra festa do chá, o "Tea Party", agrupamento de republicanos radicais e conservadores de ultra-direita, divide os americanos

É o que se constata da leitura da autobiografia do ex-presidente Barack Obama(*)que, em caudalosas 751 páginas, desfia os impasses contínuos de um Congresso Nacional irremediavelmente dividido entre democratas e republicanos - estes, decididos a empareda-lo, a todo custo e independentemente das sequelas. Se a política substitui a guerra, onde o objetivo é eliminar o inimigo, a estratégia republicana é uma negação da política, com o retorno à percepção do outro não como adversário, mas como inimigo a ser destruído.

No front externo, Obama chama a atenção para uma superpotência com excesso de músculos, armas, mas com dificuldades crescentes de dar conta das suas posições globais sob crescente pressão, como é o caso das sucessivas tentativas e seguidos fracassos em promover a paz no Oriente Médio. Isso soa mais evidente, vis a vis a China, que não tem, da parte dos EUA, uma estratégia definida de enfrentamento face a sua ultrapassagem pelo antigo Império do Meio. Hoje, os EUA detém algo em torno de 27.5% do comércio mundial, seguidos pela China com 25%.

Posições que se inverterão em breves 10 anos ou menos. Quando isso ocorrer, o dólar terá deixado de ser a única moeda de curso universal, dividindo com o yuan a primazia. Essa disputa vem se dando desde agora, com os chineses amarrando empréstimos e compras crescentemente a sua moeda.

Se a democracia liberal americana aparenta estar em declínio, fruto da fragmentação social, dos "losers" da globalização e da polarização política, a China, com o seu capitalismo de estado, centralização decisória e partido único, deslancha seu potencial. Conseguirão os Estados Unidos e a China escapar da "Armadilha de Tucídides", quando a potência líder sentindo-se ameaçada pela emergente vai a guerra, ou a cooperação será possível? Difícil prever. Mas é fora de dúvida que essa disputa moldará o nosso futuro comum.

Raul Jungmann, ex-ministro da Reforma Agrária, Defesa e Segurança Pública.

  *Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC 

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