Quando Arthur Lira, presidente da Câmara de Deputados, acendeu um "sinal amarelo" para o presidente da República, mostrou a fragilidade da manobra política de Jair Bolsonaro que levou a uma aliança com o Centrão e a velha política. Surpreendente como, apenas poucas horas após uma reunião com Bolsonaro para discutir uma postura unificada no combate à pandemia, o presidente da Câmara e líder do Centrão tenha feito um discurso tão contundente no plenário da Câmara, advertindo que o Congresso conta com "remédios amargos e fatais" para "quando a espiral de erros de avaliação se torna uma escala geométrica incontrolável".
O remédio fatal é o impeachment, um cartão vermelho para salvar o Brasil deste catastrófico governo. Metaforicamente, o governo foi intubado. E o oxigênio está acabando.
O discurso de Lira poderia ser interpretado como uma simples chantagem para ganhar mais espaço na Esplanada dos Ministérios, tanto que, no dia seguinte, ele se reuniu com o presidente para, segundo consta, fazerem as pazes. Mas o tom e a ênfase do presidente da Câmara mostram que o Centrão se prepara para abandonar o barco furado do governo se não houver uma reorientação política do presidente que detenha a crescente indignação da sociedade. Neste caso, sem base política no Congresso e com elevada rejeição da população, restaria a Bolsonaro apenas os seus fanáticos seguidores e os brutais milicianos virtuais e reais, que podem reagir com violência. O Centrão está insatisfeito com os nacos de poder que, até agora, não recebeu de Bolsonaro e, evidentemente, não está disposto a carregar o peso insuportável da grave crise sanitária e do consequente desgaste político.
O perverso descaso presidencial com a tragédia de 300 mil mortes pelo Covid-19 eleva a rejeição ao governo e provoca protestos de segmentos importantes da sociedade brasileira, batendo na porta do Congresso e gritando nos corredores: "Chega".
O aguçado faro político dos parlamentares percebe as mudanças de humor do seu eleitorado. Sem as benesses do poder e com o completo desastre do governo, o Centrão desembarca rápido. E, como é muito pouco provável que a pressão de Lira desperte o presidente da sua alienação, o Brasil pode afundar numa calamidade social sem precedentes. Entre os remédios amargos da farmacologia do Congresso não existe substância milagrosa para a cura da insensatez patológica do senhor Jair Bolsonaro. Por isso, seria melhor mostrar logo o cartão vermelho.
Sérgio C. Buarque, economista
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