O leão foi símbolo do imposto de renda numa campanha publicitária de 1979. O rei da floresta: justo, forte e respeitado. Passou a simbolizar a Receita Federal. Certa vez, usei essa imagem em palestra no exterior e arranquei risos da plateia. A mordida do leão contraria a ideia de tributo como o preço para se viver em sociedade, de justiça e legitimidade, e de uma relação fisco-contribuinte baseada em confiança mútua e menos litigiosa.
De um imposto extraordinário inglês para financiar as guerras napoleônicas, o IR se transformou no mais importante tributo de países desenvolvidos, por melhor atingir a capacidade contributiva, ao identificar a renda, o patrimônio e as atividades dos indivíduos.
Em países em desenvolvimento, o peso é maior na tributação sobre o consumo, regressiva e que onera o mais pobre, por consumir toda a sua renda e, por isso também consumir menos. A concentração de renda aqui é berrante. Menos de 15% da nossa população declarou o IR em 2020, ou 31,9 milhões dos mais de 211 milhões, segundo o IBGE. Talvez nem haja esses dados no futuro, dado o corte de 90% do custeio desse órgão, cardeal para se definirem políticas públicas. Quem não aufere R$ 1.903,98 mensais mínimos está na faixa de isenção ou é informal, desempregado, estudante ou sonegador.
A legislação privilegia grupos hegemônicos. A isenção de lucros e dividendos distribuídos só não é uma jabuticaba porque a Estônia também tem. A lei limita a dedução em educação, mas admite o desconto integral de gastos com a saúde de ricos no exterior. Ela ignora novas formas de família e onera mais a mulher, ao permitir que dependentes só podem constar da declaração de um dos cônjuges ou companheiros, ignorar a guarda compartilhada e, pior, tributar pensões alimentícias recebidas, ao tempo em que o alimentante as pode deduzir.
O presidente quebrou a promessa de atualizar a tabela do IR, a mesma desde 2015 e que, segundo o Sindifisco Nacional, acumula perdas inflacionárias de mais de 100% nas três últimas décadas. E o ministro da economia defende o fim de todas as deduções para financiar o Bolsa Família ou Renda Brasil, tornando-o um imposto sobre receitas e não sobre a renda. Criar novas faixas de alíquotas para as rendas maiores, nem pensar! E já que estamos no período de envio da declaração anual de ajuste, convém ficar alerta contra retrocessos e parafrasear Caetano Veloso, "não gosto muito de te ver, leãozinho".
Paulo Rosenblatt, procurador do Estado, professor da Unicap e advogado
*Os artigos são de responsabilidade do autor e não refletem necessariamente a opinião do JC
Comentários