O poeta deixou, há alguns dias, um livro aqui na minha portaria. Por absoluta coincidência estava lendo um outro poeta, o americano Robert Frost (1874-1963). No poema de Frost "Too Anxious for Rivers", o arranjo básico das imagens poéticas representa uma paisagem onde um riacho que corre através do primeiro plano parecia bloqueado por uma montanha: o que acontecerá ao rio, na sua tentativa de alcançar o mar? O rio, alegoricamente, é a vida; a montanha, a morte, e o mar a vida além da morte!
Li em paralelo os dois poetas e observei algo de interesse comum a ambos. Frost, embora nascido na Califórnia, foi o "poeta da Nova Inglaterra", expressando em sua lírica as paisagens e os homens daquela região dos EUA tão marcada pela versão mais fundamentalista do puritanismo. Já na coletânea do meu amigo poeta que, aliás, mora aqui perto e me presenteou seu livro "O voo da eterna brevidade", a imagem da MONTANHA aparece seguidamente em sua poesia, o que terminou me remetendo àquela imagem de Frost.
José Mário Rodrigues, o POETA, tem três ou quatro "acidentes geográficos" que se repetem em sua lírica: o deserto, a montanha, o rio, a seca (este último é o título do poema em que reconhece que "Toda poesia serve para nada") e a "esquina", lugar ao mesmo tempo de encontro e de desencontro. A MONTANHA é sem dúvida uma representação da MORTE em que, lá do alto, podemos enxergar os outros em suas inconscientes desventuras, e de onde podemos vislumbrar o "rio" (da vida) e o "mar" (da pós-vida). Lugar simbólico da morte, mas também daquela "consciência" que só alcançamos quando podemos "nos ver de cima"!
Zé Mário mora numa "esquina" (!) da Rua da Amizade (Graças), provável lugar de desencontros onde ele, num de seus poemas, confessa que "Não amei ninguém. Não fui amado por ninguém" e constata, finalmente, "a inutilidade de todas as palavras". Lá do alto, de onde se vê o rio tortuoso de nossas vidas, o poeta conclui que "Ser feliz dá muito trabalho"! Ele foi, aliás, o grande amigo pernambucano de Clarice Lispector (sobre quem organizou um livro comemorativo de seu centenário, "O que eu escrevo continua". CEPE, 2021). Logo Clarice, aquela que esperava encontrar a palavra que não podia ser pronunciada sem destruir a coisa que ela pronuncia!
Ser poeta, Zé Mário, também dá muito trabalho!
(Para Zé Mário Rodrigues)
Flávio Brayner, professor titular da UFPE
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