opinião

Elza Soares lutou, amou, sofreu...

Se existiu uma mulher que lutou a vida toda, amou e sofreu, teve momentos de glória e de declínio artístico, foi Elza Soares.

ARTHUR CARVALHO
Cadastrado por
ARTHUR CARVALHO
Publicado em 09/02/2022 às 0:00 | Atualizado em 09/02/2022 às 14:51
Thiago Lucas/ Artes JC
Elza Soares - FOTO: Thiago Lucas/ Artes JC
Leitura:

Se existiu uma mulher que lutou a vida toda, amou e sofreu, teve momentos de glória e de declínio artístico, foi Elza Soares. Parte da torcida do Botafogo espalhou, durante muito tempo, que ela tentou seduzir Pelé e dar o golpe do baú, tendo frequentado a concentração da seleção brasileira na Copa de 62, no Chile, com este objetivo, e que, não conseguindo, investiu em Garrincha - que logo se apaixonou por ela. Mas os fatos demonstram que a coisa não foi bem assim e que ela carregou um grande fardo em seu longo relacionamento com ele, que era alcoólatra. Isto ficou claro no livro Estrela Solitária, de Ruy Castro.

Elza Soares, de origem pobre e humilde, nascida e criada como a maioria das mulheres de morro de seu tempo - carregando lata d'água na cabeça, teve o primeiro filho ainda bastante jovem e se tornou cantora, também jovem. Enquanto isso, Garrincha passou a infância em Pau Grande, interior fluminense, caçando passarinho e fazendo menina. Quando foi morar com Garrincha, ele já tinha 11 mulheres. Elza lutou, o quanto pôde, para Garrincha deixar o álcool, mas não conseguiu. A dependência do famoso ponta, segundo Ruy Castro, teria se originado no costume de seus pais, descendentes de índios Fulni-ôs, de Alagoas, darem-lhe cachimbo quando ele ia dormir. Cachimbo é uma espécie de pirulito de mel de abelha misturado com cachaça - muito comum no Nordeste. Daí, a grande resistência, desenvolvida por Garrincha, ao álcool.

Forjada, desde a infância, na dura batalha pela sobrevivência, ela começou na vida artística enfrentando o irônico e implacável Ary Barroso, em seu programa de calouros na Rádio Nacional, quando Ary, criticando o traje da candidata, teria perguntado o que ela foi fazer ali - e ela respondeu: cantar e ser artista. Depois de cantora consagrada, exilou-se na Itália, com Garrincha, por motivos políticos. Voltando ao Brasil, acompanhou o jogador em sua queda profissional - até o fim. Quando Mané faliu completamente, promoveram um jogo beneficente para ele no Maracanã, mas, ao que consta, o casal não soube administrar a renda, e o dinheiro acabou. E ela seguiu o resto de sua jornada sozinha.

Ao que eu saiba, Elza Soares esteve no Recife ainda duas vezes mais recentemente: uma, em situação precária, e outra, quando, ao se exibir no Classic Hall, foi perturbada, durante o show, por boys mal-educados. Alguns acusaram Pelé pela decadência de Garrincha, mas ele não tem culpa disto, apesar de não ter fama de solidário. Segundo Moreira da Silva, há pessoas a quem não conseguimos ajudar. Viva Elza Soares, guerreira e grande sambista!

Arthur Carvalho, advogado e membro da Academia Pernambucana de Letras

 

Comentários

Últimas notícias