OPINIÃO

Prefiro o estilo espontâneo de um Jorge Amado, com sabor de acarajé, o suor salgado da mulata

Para ser sincero, nunca simpatizei com A Revolução dos Andrades, por achar que faltou, aos escritores que a lideraram, uma certa naturalidade, sobrando-lhes uma forçada de barra.

ARTHUR CARVALHO
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Publicado em 23/02/2022 às 0:00 | Atualizado em 23/02/2022 às 7:00
Acervo Casa Rio Vermelho/Divulgação
PREMIADO Um dos escritores brasileiros mais vendidos e reconhecidos internacionalmente, o baiano Jorge Amado este perto de conquistar um Nobel de Literatura em 1971 - FOTO: Acervo Casa Rio Vermelho/Divulgação
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Nenhum movimento renovador deve ser desprezado ou desdenhado - principalmente na literatura e nas artes plásticas. O Modernista de 22 é um deles. Pelo grande impacto que causou, desencadeou elogios e muitas críticas nos meios artísticos brasileiros e na imprensa - críticas partidas, como natural, dos setores acadêmicos e conservadores.

Para ser sincero, nunca simpatizei com A Revolução dos Andrades, por achar que faltou, aos escritores que a lideraram, uma certa naturalidade, sobrando-lhes uma forçada de barra. Melhor explicando: para os livros de um de seus principais líderes, Mário de Andrade, tentaram criar um linguajar de um povo - que é algo que não se fabrica e nem impõe.

Prefiro o estilo espontâneo de um Jorge Amado, com sabor de acarajé, o suor salgado da mulata, o cheiro de terra úmida da Várzea do Paraíba e cheiro de melaço de cana dos engenhos de José Lins do Rego, os espinhos de Mandacarú da seca e do seco das Vidas Secas de Graciliano Ramos - o mais perfeito estilista do Brasil - às peripécias forçadas e verbais do romance Macunaíma. Fico, mais ainda, com o estilo clássico e musical de Gilberto Freyre, do imortal Machado de Assis e gongórico e rebuscado do genial Euclides da Cunha - sem falar de José Américo e Rachel de Queiroz. O Nordeste não precisa inventar. As emoções brotam de repente nos versos de Zé Dantas, Luiz Gonzaga, Gordurinha e Patativa do Assaré. Mário de Andrade sabe disto. Tanto que veio, diversas vezes, beber nessa fonte de água doce e cristalina. Como prova dessa admiração, disse um dia: "Eu só queria ser e fazer a poesia de Ascenso Ferreira".

Mas todo este relambório, esse papo furado, essa conversa jogada fora, é para revelar uma surpresa. Talvez, segredo ao leitor - por acaso desavisado. No livro de cartas trocadas entre Manuel Bandeira e Mário de Andrade, o grande poeta pernambucano diz ao amigo paulista que o maior e mais importante inspirador do movimento modernista de 22 foi um cara chamado Jayme Ovalle - com que Mário concorda sem pestanejar. Não foi Dante Milano, Drummond ou Brecheret. Foi Jayme Ovalle, guru dos intelectuais da época.

Essa atuação de Ovalle era subterrânea, como tudo o que ele fazia. Ele era uma pessoa admirada e respeitada pelos intelectuais da época - dada sua apurada sensibilidade. Capaz de descobrir e dizer onde estava o melhor e o pior momento de uma manifestação artística, fosse em uma tela, poema, peça de teatro, conto ou romance. Parabéns ao Modernista de 22, fazendo 100 anos.

Arthur Carvalho, da Academia Pernambucana de Letras Jurídicas

 

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