OPINIÃO

Não acreditem no que eles dizem. Lula e Bolsonaro se juntam no ataque à Petrobras e na promessa de suspender as decisões da empresa que aumentam os preços dos combustíveis

A Petrobras tem deve ser gerida com eficiência de uma grande corporação e, de preferência, dar lucro que alimenta as finanças públicas, com as quais, cabe aos governos cuidar do povo brasileiro e promover o desenvolvimento nacional.

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SÉRGIO C. BUARQUE

Publicado em 31/03/2022 às 17:57 | Atualizado em 31/03/2022 às 18:28
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Nos seus discursos, a posição do presidente da República flutua entre dois extremos: obriga a Petrobras a segurar os preços, como se fosse o dono da empresa, ou então ameaça com a privatização. Sem esta ambiguidade de Bolsonaro, Lula diz que, se for presidente, a Petrobras não vai mais definir os preços com base na flutuação do valor da commodity no mercado internacional, repetindo a desgastada demagogia de que a empresa é do povo e não dos acionistas. Dilma Rousseff fez isso, represou os preços dos combustíveis para segurar a inflação, provocando uma crise na corporação mais nefasta que o “Petrolão” (estima-se um prejuízo de cem bilhões de reais, tornando a Petrobras a empresa petrolífera mais endividada do mundo).

Numa entrevista recente, o ex-presidente Lula disse que não está interessado no lucro da empresa e que a “Petrobras tem que cuidar do povo brasileiro”. Demagogia. Nenhuma empresa deve “cuidar do povo brasileiro”, devem produzir bens e serviços, gerar emprego, renda e receita pública e, no caso da corporação petrolífera brasileira, distribuição de royalties e dividendos para os governos. Os governos devem cabe cuidar do povo brasileiro, o que, infelizmente, não têm feito há décadas, falhando em áreas fundamentais para a qualidade de vida, como educação e saneamento básico.

Bolsonaro tenta enganar o eleitor com a substituição do presidente da Petrobras porque o atual não estaria seguindo as suas instruções. Ele sabe que Adriano Pires, novo titular, também não vai mudar as regras da corporação. Quando ele propõe a criação de um fundo de compensação para conter a flutuação dos preços internacionais, está, corretamente, jogando o problema para fora da empresa, que continuaria com a mesma política. Caberia ao Tesouro a criação do fundo, recorrendo a diferentes fontes, entre as quais os dividendos que a empresa paga ao Estado, e que cresce com a paridade internacional de preços que aumenta os lucros da petrolífera. Com o discurso e esta mudança da direção da empresa, Bolsonaro espera continuar enganando o eleitorado até as eleições, até porque ele sabe que não terá força política para privatizar a Petrobras.

Nunca é demais repetir que a Petrobras não é uma empresa estatal, na medida em que os acionistas privados possuem quase 64% do total das ações da empresa, a grande maioria deles, acionistas estrangeiros (com 43% do total das suas ações). Mas a Petrobras também não é uma empresa privada, já que o Estado brasileiro detém 50,5% das ações ordinárias (cerca de 36% do total das ações) que assegura a maioria do direito a voto das decisões da corporação. Vale lembrar ainda que a Petrobras não tem o monopólio da exploração do petróleo, concentrando pouco mais de 70% de todo petróleo e gás produzido, mas tem quase o monopólio do refino, precisamente onde não deveria, sendo ainda responsável por 98% da produção de combustíveis em 13 das 17 refinarias operando no Brasil.

O controle das ações ordinárias permite ao governo mudar o presidente da Petrobras, como Bolsonaro está fazendo agora pela segunda vez no seu governo, e influenciar em decisões estratégicas. Mas não pode submeter a corporação ao imediatismo das políticas macroeconômicas e dos seus interesses eleitorais, sob pena de provocar redução dos resultados, queda do valor patrimonial e dificuldades de financiamento dos seus investimentos. Além de prováveis aberturas de processos jurídicos em fóruns internacionais por parte dos grandes acionistas que vão argumentar que foram lesados pela gestão fraudulenta da corporação.

Os dois candidatos à presidência da República que lideram as pesquisas - Lula e Bolsonaro – têm o mesmo desvio populista e voluntarista: ignorar que a Petrobras é uma empresa de capital aberto que atua num mercado mundial de commodities e submeter a gestão da corporação aos objetivos macroeconômicos dos seus governos e aos interesses político-eleitorais. Quando percebe os limites, Bolsonaro ameaça com a privatização. E quando Lula afirma que a empresa não pode orientar sua política de preços pelos acionistas e, sim, pelo povo brasileiro, parece sugerir a estatização da Petrobras. Mais ou menos como já insinuou Ciro Gomes, outro candidato à presidência, afirmando que compraria as ações dos acionistas que não gostassem da política de preços que imporia à Petrobras se viesse a ser presidente. Ninguém sabe de onde ele iria tirar tanto dinheiro para comprar estas ações (dos já escassos recursos públicos para as políticas de desenvolvimento?).

Se a privatização da Petrobras é discutível e politicamente inviável, uma meia estatização, como parece implícito nas propostas de Lula e Ciro, tem tudo para comprometer a competitividade da empresa e a capacidade de financiamento dos seus investimentos. O que significa dificuldades para o aumento da produção e da produtividade e, portanto, da geração de royalties e receita pública e dos dividendos distribuídos ao Estado brasileiro. Além do mais, ampliação do controle estatal da Petrobras aumentaria a permeabilidade da mais importante empresa brasileira à corrupção e ao empreguismo. O Brasil não merece isso. A Petrobras tem deve ser gerida com eficiência de uma grande corporação e, de preferência, dar lucro que alimenta as finanças públicas, com as quais, cabe aos governos cuidar do povo brasileiro e promover o desenvolvimento nacional. Assim como criar mecanismos, como os fundos públicos de regulação, para moderar os impactos da flutuação dos preços dos combustíveis. O resto é demagogia.

Sérgio C. Buarque, economista

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