OPINIÃO

Forças Armadas e seus integrantes são servos tão somente da sociedade. Não há outro caminho.

A Democracia correu riscos de amiudar-se. As Forças Armadas americanas, tropas mais poderosas do mundo, correram o risco de transformar-se em milícia.

OTÁVIO SANTANA DO RÊGO BARROS
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OTÁVIO SANTANA DO RÊGO BARROS
Publicado em 19/08/2022 às 11:23
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Tanque de guerra passa em frente ao Palácio do Planalto - FOTO: agência Câmara
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Em julho de 2017, o Presidente americano Donald Trump retornou de Paris inebriado pelas comemorações dos cem anos de entrada dos Estados Unidos na primeira guerra mundial.

A cerimônia promovida por Emmanuel Macron, Presidente francês, contou com um grandioso desfile militar na Champs-Élysées e caças sobrevoando a belíssima avenida, soltando fumaça azul, branca e vermelha, cores nacionais francesas.
Impressionado, quis o chefe de governo americano promover um grandioso desfile militar no Dia da Independência, à semelhança do que vira em Paris, com carros de combate e homens armados pelas ruas de Washington. Seu objetivo, diferente do desfile francês, era aquisição de capital político e enlevo pessoal.
Os generais da alta-administração, com ligação direta a ele, se opuseram. “Cresci em Portugal, isso é coisa de ditadura”, disse o General Paul Selva, da Força Aérea, ao Presidente.
O desfile não se realizou.
Essa e outras histórias foram contadas em recente artigo intitulado Inside the War Between Trump and His Generals, publicado em 8 de agosto passado, na revista The New Yorker, pelos jornalistas Susan B. Glasser e Peter Baker ao abordarem as relações conturbadas entre o ex-Presidente Trump e militares sêniores, integrantes do governo.
Um texto denso, de muita pesquisa e multiplicidade de fontes que vai nos tomando e nos incita a conhecer como esses militares impediram a América de ser levada a uma guerra civil fraticida e a um conflito internacional impensado.
O artigo, que se desenvolve em uma linha do tempo, revela bastidores do dia a dia, na escura noite do governo de Trump.
Com relação às eleições de 2020, palco da maior refrega entre o ex-Presidente e os Generais, os jornalistas descreveram um ambiente militar de firmeza em contraponto ao comportamento errático e irascível de Trump na renhida peleja.
Teorias da conspiração foram estimuladas pelos seguidores obliterados e espalhadas em mídias sociais por robôs muito bem programados.
Alegavam uma fraude em construção e, por conseguinte, os grupos de apoio ao projeto trumpista deveriam criar condições para um levante popular contra os resultados nas urnas em 3 de novembro de 2020.
Trump e seu grupo chegaram a planejar o uso das Forças Armadas, com base na Lei da Insurreição (1807), que dá poderes aos presidentes americanos para usarem os militares em circunstâncias especiais (situações de exceção), dentro de seu território.
Defendiam também o emprego desses militares para recontagem de votos nos Estados onde Trump não tivesse obtido a vitória.
James Mattis, secretário de defesa, John Kelly, chefe de gabinete da Casa Branca e Mark Milley, atual chefe da junta, foram alguns dos generais que resistiram aos desatinos de Trump.
Milley, ao ser entrevistado por Trump para o cargo de chefe da junta, função militar mais relevante nos Estados Unidos, lhe assegurou:
- Senhor Presidente, o senhor tomará as decisões. Eu lhe garanto que darei sempre uma resposta honesta, e não a divulgarei na primeira página do Washington Post. Definido o curso de ação, enquanto ele for legal, eu vou apoiá-lo.
Trump não percebeu a sutileza da ressalva.
Já no cargo, Milley cometeu um erro de postura do qual prontamente se arrependeu. Participou ao lado de Trump, com uniforme de combate, em uma caminhada desde a Casa Branca até a Praça Lafayette.
Segurando uma bíblia, em frente à Igreja de São João, o Presidente vociferou contra as manifestações de repúdio à morte do negro George Floyd, assassinado por um policial branco.
As Forças Armadas americanas, multirraciais, reagiram incisivamente contra a imagem de seu chefe em apoio a um ato político e racista. Milley desculpou-se publicamente.
Embora entre os militares de alta patente existissem divergências de cunho profissional, eles nunca deixaram de defender de forma unânime os pilares da Democracia de Benjamin Franklin, Thomas Jefferson e Abraham Lincoln.
Em 6 de janeiro de 2021, provocados pelo próprio Presidente, grupos ensandecidos invadiram o Capitólio para impedir a sessão solene de declaração de vitória de Joe Biden. Faltou pouco para Trump obter êxito em sua ação para alterar o resultado das eleições.
O Pentágono, liderado por Mark Milley, estava de prontidão. Após o chamamento pelos líderes do Congresso americano, tropas já mobilizadas se fizeram presentes para conter a insurreição.
A Democracia correu riscos de amiudar-se. As Forças Armadas americanas, tropas mais poderosas do mundo, correram o risco de transformar-se em milícia.
Pelas mãos desses generais, as Forças Armadas enobreceram a Nação americana e se fortaleceram em corpo e alma. Os militares não negociaram o poder temporal por um rebaixamento de seus padrões éticos e morais.
Mark Milley, um ex-aluno da Universidade de Princeton, aficionado pela história militar, buscou no passado os ensinamentos e os aplicou com serenidade no presente, diante das crises sucessivas que lhe foram apresentadas e sobre as quais teve que decidir.
Forças Armadas e seus integrantes são servos tão somente da sociedade. Não há outro caminho.

Paz e bem!

Otávio Santana do Rêgo Barros, ex-chefe do Centro de Comunicação Social do Exército (CComSEx)

 

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