ARTIGO

Nápoles do Recife

"Curiosamente, o prédio alvo dos disparos se chama Nápoles, mesmo nome da cidade onde Mussolini deu início à propagação das suas ideias"

JULIANO DOMINGUES
Cadastrado por
JULIANO DOMINGUES
Publicado em 25/09/2022 às 0:00 | Atualizado em 25/09/2022 às 14:34
CORTESIA
Apartamento no bairro de Casa Amarela, na Zona Norte do Recife, foi alvo de tiros - FOTO: CORTESIA
Leitura:

O ataque a tiros contra um apartamento no bairro de Casa Amarela, no Recife, onde havia uma bandeira de "Lula 13", na madrugada da última quarta-feira (21), diz muito sobre o atual contexto político brasileiro. Ele é resultado da combinação de dois fenômenos e ilustra o chamado "fascismo eterno".

O primeiro fenômeno, denominado de campanha permanente, é caracterizado pela manutenção de dinâmicas eleitorais mesmo após a apuração. O conflito cotidiano e o embate com adversários são parte da estratégia de ação para manter o eleitorado mobilizado e atuante na defesa do governo, ao mesmo tempo em que desvia a atenção da opinião pública em relação a pautas indesejáveis, principalmente com o recurso das redes sociais digitais.

Essa prontidão cansa, ainda mais se acompanhada de intensa violência política - o segundo fenômeno da combinação. Quando uma campanha permanente adere à ameaça e à coerção física, ela ganha contornos de "fascismo eterno", expressão cunhada por Umberto Eco para um tipo de ação política que transcende a Itália do século passado e se manifesta como prática cotidiana atual. Os seus efeitos se revelam, principalmente, no cerceamento das liberdades básicas, como no medo de ser agredido por expressar suas preferências políticas.

Pesquisa Ipespe aponta que sete entre cada 10 pessoas querem que as eleições terminem no 1º turno. Não parece coincidência que sete entre cada 10 também afirmem ter medo de violência política, segundo o Datafolha. O levantamento "A cara da democracia", do Observatório da Violência Política e Eleitoral da Universidade Federal do Rio de Janeiro (OVPE-Unirio), indica, ainda, que 54% dos eleitores temem uma onda de violência em caso de vitória de Lula; e 40%, em caso de reeleição de Bolsonaro.

Foi o "fascismo eterno" que explodiu a tiros a janela de um apartamento na zona norte do Recife. Curiosamente, o prédio alvo dos disparos se chama Nápoles, mesmo nome da cidade onde Mussolini deu início à propagação das suas ideias. Por outro lado, a população de Nápoles entrou para a história pela extraordinária resistência antifascista com o episódio "Os quatro dias de Nápoles".

Há coisas que não chegam ao fim quando terminam. O "fascismo eterno" não vai acabar após as eleições, levará tempo, mas derrotá-lo nas urnas é fundamental. A bandeira vermelha continua lá, apesar dos tiros: Nápoles é aqui.

Juliano Domingues, cientista social, é professor da Universidade Católica de Pernambuco (Unicap).

 

 

Comentários

Últimas notícias