eleições 2022

A cegueira dos inocentes

Quem leu a obra "O Mundo em Português – Um Diálogo, gravando a conversa entre Mário Soares e Fernando Henrique Cardoso, terá a oportunidade de conhecer a política de "basckstage" que sempre existiu nesse país

DAYSE DE VASCONCELOS MAYER
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DAYSE DE VASCONCELOS MAYER
Publicado em 09/10/2022 às 7:07
EVARISTO SA / AFP
Ciro Gomes (PDT) ficou em quarto lugar nas eleições 2022 - FOTO: EVARISTO SA / AFP
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O título deveria ser “o Tigre-de-Java, o animal já extinto – situação atual das lideranças políticas brasileiras. Pensei nisso quando escutei as palavras de Ciro Gomes após o resultado das urnas no primeiro turno. Tive pena do homem exaurido e desencantado com a natureza humana e com a política.

Há 25 anos, a “Veja” publicava, em outubro de 1995, num espaço diminuto ao lado de Miguel Arraes, um excerto das palavras de Ciro: “Existe alternativa à aliança com o PFL? Com essa esquerda irresponsável, inconsequente, oportunista, burra e sem projeto que o Brasil precisa? Mas Ciro não previu o nascimento de uma direita ainda mais jerica e inconsequente.

Quem leu a obra “O Mundo em Português – Um Diálogo, gravando a conversa entre Mário Soares e Fernando Henrique Cardoso, terá a oportunidade de conhecer a política de “basckstage” que sempre existiu nesse país. Uma das passagens mais curiosas é quando Mário Soares indaga o porquê da demissão do ministro Rubens Ricupero. Cardoso silenciou. Omitiu o fato de que o ministro esperava o início de uma entrevista televisiva e não percebeu que o áudio estava ligado. Foi então que os telespectadores puderam escutar que o Plano Real era uma farsa destinada a assegurar a eleição presidencial. Curioso é que o escândalo não provocou a submersão de Cardoso.

Igualmente, após a primeira posse de Fernando Henrique, Sérgio Motta, ministro das comunicações, a meio de denúncias da oposição e da Igreja Católica, foi acusado de usar planos não republicanos para aprovar a reeleição do presidente utilizando a compra de votos. Dois deputados haviam confessado que “haviam recebido 35 mil contos”. Reação imediata de FHC: “O ministro será imediatamente afastado do Governo se for provado o seu envolvimento. Mas o escândalo já havia provocado a queda nas bolsas e a nódoa do governo no exterior. “Mutatis mutandi”, a frase também foi usada por Bolsonaro – a criatura que gerou o aforismo “no meu governo não se rouba”. Estava convicto de que a classe rica não desejava perder privilégios, os evangélicos as benesses, os militares a redução dos soldos, a classe média as promessas vãs, os pobres – a fina flor do cacto, inculta e desvalida – os seus “mil reis” e os congressistas, homens de “grandes saberes”, as viçosas verbas do cargo. Enfim, um povo que elege, além de outros, Damares Alves, senadora pelo DF, repudia a fé de que o Congresso só pode crescer quando está comprometido com a modernização das instituições, a moralização dos costumes e o comprometimento com a democracia. Existe algum vitorioso para sentar no trono?

Dayse de Vasconcelos Mayer é doutora em ciências jurídicas e políticas.

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