OPINIÃO

Um país movido a paixão

O ar depressivo de um líder popular derrotado e a insistência de alguns apoiadores em protestar contra o resultado das urnas arrematam a visão de uma práxis política extremamente alicerçada em uma visão menos racional dos fatos no Brasil contemporâneo....

PRISCILA LAPA
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PRISCILA LAPA
Publicado em 04/12/2022 às 18:54
RENATA ARAÚJO/TV JORNAL
TAQUARITINGA DO NORTE Por todo País, apoioadores de Bolsonaro prostestam desde domingo contra as eleições - FOTO: RENATA ARAÚJO/TV JORNAL
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É clichê falar que futebol, política e religião despertam paixões incomensuráveis no ser humano. Nos dias atuais, no entanto, não é trivial buscar compreender melhor as conexões entre esses três pilares que movem multidões, revelam líderes, projetam sonhos e, também, alimentam desafetos. Alguns pensadores clássicos já se aventuraram na busca de caminhos filosóficos que possam ajudar a esclarecer os elos que unem paixão e política. Uma das linhas do pensamento define que o afeto, considerado um dos elementos mais essenciais da vida humana, é a base da ação política, acima da razão. Ou seja, um dos maiores equívocos que se pode cometer é reduzir a política a uma batalha pela razão, baseada em fatos, discursos e argumentos alicerçados na coesão de ideias e na eloquência retórica.

É que, para essa linha de pensamento, o logos da política é notadamente alógico. Assim, têm prevalência na política os impulsos, as disposições ambivalentes, os apetites nunca satisfeitos, os estímulos estéticos. Platão certamente é um dos expoentes que associaram a política à paixão. Por isso, para o pensador grego, a democracia funcionaria como uma espécie de teatro das ilusões, uma arena propícia a arroubos irracionais e que, portanto, levaria a desvios da justiça e do bem, corrompendo o ideal de República por ele proposto. O Estado, em seu modelo ideal, seria capaz de disciplinar as ações dos indivíduos e, sobretudo, os seus afetos.

Em tempos de Copa do Mundo, o futebol (masculino) volta ao centro das atenções dos povos, mostrando a potência que essa modalidade esportiva tem para mobilizar multidões e, consequentemente, movimentar recursos bilionários. A Copa no Catar já é considerada a mais cara da história, com investimentos do país sede em torno de 200 bilhões de dólares. Muito, muito dinheiro investido em “paixões”, o que para muitos é um desperdício e, para outros, algo legítimo, que engrandece a vida humana.

As religiões, por sua vez, têm cada vez mais sido protagonistas na “revelação” de líderes que se conectam a milhares de pessoas e se tornam potências quando o assunto é opinião pública. Adotando técnicas e práticas discursivas já consolidadas em outros mercados, com oratória irretocável, protagonizam, muitas vezes, espetáculos dignos das celebridades pop de primeira grandeza. Por trás desse sucesso, muita paixão dos fiéis seguidores.

O ar depressivo de um líder popular derrotado e a insistência de alguns apoiadores em protestar contra o resultado das urnas arrematam a visão de uma práxis política extremamente alicerçada em uma visão menos racional dos fatos no Brasil contemporâneo, um país que certamente serve de palco ideal para espetáculos regados a política, futebol e religião, a despeito da persistência das dores de uma sociedade excludente, desigual e, sim, violenta. O bom mesmo era que a energia das paixões que move nosso povo nos levasse a um país mais coeso em seus sonhos e anseios, em que prevaleça uma visão mais estruturada de “povo” e de futuro. Sonhar não custa nada.

 

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