OPINIÃO

Crise carcerária (VII) O indulto presidencial e suas consequências

Cada condenado possui um processo judicial autônomo, onde se desenvolvem todos os atos judiciais, conduzidos por um juiz da Execução Penal, com a participação do Ministério Público e do Advogado público ou particular, obrigatoriamente

Adeildo Nunes
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Adeildo Nunes
Publicado em 29/12/2022 às 0:00 | Atualizado em 29/12/2022 às 9:53
Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil
Os quatro anos de mandato do presidente Jair Bolsonaro, os Decretos de Indulto beneficiaram pessoas vinculadas ao seu partido político - FOTO: Fabio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil

Já anotamos, aqui, que transitada em julgado a sentença penal condenatória que tenha fixado pena privativa de liberdade, estando o réu preso, deve ser iniciado o processo de execução da pena, junto à Vara de Execução Penal competente. Nos Estados em que existem mais de uma Vara de Execução, é necessário consultar o seu Código de Organização Judiciária, pois é ele quem define a Vara competente para executar a sanção penal. Cada Estado, por isso, tem uma modalidade de competência jurisdicional diferente, daí porque é imprescindível, antes de tudo, que haja a fixação dessa competência. Chegando na Vara de Execução Penal competente cópia da sentença penal condenatória, certidão do seu trânsito em julgado, guia de recolhimento e estando o réu comprovadamente custodiado, inicia-se o processo de Execução da Pena.

Cada condenado possui um processo judicial autônomo, onde se desenvolvem todos os atos judiciais, conduzidos por um juiz da Execução Penal, com a participação do Ministério Público e do Advogado público ou particular, obrigatoriamente. É no decorrer do processo de Execução que surgem vários incidentes e conflitos, que devem ser decididos pelo juiz, com base na Constituição e nas leis que regem a matéria, embora no mais das vezes a Lei de Execução Penal de 1984, com as suas constantes modificações, seja a regra jurídica mais utilizada pela autoridade judiciária. Esses incidentes podem beneficiar o condenado, mas, também, existe a possibilidade de o condenado ser prejudicado.

Quando a defesa do recluso pede ao juiz uma progressão de regime (do fechado para o semiaberto ou do semiaberto para o aberto), um livramento condicional, uma autorização de saída temporária, um indulto ou outros tantos benefícios previstos na lei, evidentemente, se deferidos pelo juiz, o criminoso estará sendo beneficiado. Esses benefícios, porém, existem porque uma das finalidades da Execução da Pena é a integração social do condenado. Quando um condenado é transferido do regime fechado para o semiaberto, claro, essa autorização legal tem o condão de contribuir para a readaptação social do presidiário, porque a partir dessa mudança o condenado terá a oportunidade de reaver os seus laços familiares comprometidos pela prisão, sem contar que a frequência a escolas e a possibilidade de trabalho, agora podem ser consagrados, enquanto o réu permanece cumprindo a pena.

Contudo, quando o preso é punido pela prática de uma indisciplina prisional, que importe no cometimento de uma falta de natureza grave (tentativa de fuga, por exemplo), além de cumprir uma sanção administrativa (advertência, repreensão, restrição de direitos, isolamento ou até a sua inclusão no regime disciplinar diferenciado), essa conduta importará na redução do seu tempo de remição e, se beneficiado com a progressão de regime, o condenado deverá retornar ao regime imediatamente mais severo, por determinação judicial. Como se nota, o preso é sujeito de direitos e de obrigações. É lamentável constatar, entretanto, que quase sempre as obrigações são exigidas, enquanto os seus direitos são renegados, outra triste realidade vivenciada nas prisões brasileiras.

Cumprida integralmente a pena ou beneficiado o condenado pelo indulto, colaboração premiada, acordo de não persecução penal e outras formas definidas na lei, cabe ao juiz da Execução Penal declarar a extinção do processo de Execução, fazendo arquivar os autos e findando com as restrições existentes em seus antecedentes criminais, passando o executado a ser um ex criminoso, sem registros criminais que possam prejudicá-lo após o cumprimento da pena.

Especificamente sobre o indulto, vale não confundir saídas de natal temporárias de presos com o instituto ora comentado, ademais cumpre lembrar que o indulto é definido como um perdão estipulado exclusivamente pelo presidente da República, mediante Decreto, beneficiando pessoas condenadas pela prática de crimes comuns, que só gera efeitos jurídicos depois de declarado pelo juiz da Execução Penal. É dizer: o chefe do Poder Executivo estipula as condições para que o criminoso possa ser perdoado, mas o indulto só existirá se o juiz da Execução homologar o perdão. O indulto pode ser coletivo (beneficiando todos os condenados do país) ou individual (graça). Nos indultos coletivos - geralmente decretados durante os dias das mães e nas proximidades do natal. 0 presidente da República tem autorização constitucional para perdoar quem bem lhe aprouver.

Nos quatro anos de mandato do presidente Jair Bolsonaro, os Decretos de Indulto só beneficiaram pessoas vinculadas ao seu partido político, membros das Forças Armadas e agentes de segurança pública, uma atitude inédita na história legislativa do Brasil, pois antes disso os Decretos coletivos comumente beneficiavam todos os condenados do país. Recentemente, o atual chefe do Executivo Federal editou o Decreto nº 11.302, publicado em 22.12.2022, mantendo o perdão, somente, para os membros das Forças Armas e para os agentes da segurança pública.

A grande celeuma constante do Decreto nº 11.302 está na possibilidade de indultar os possíveis responsáveis pela morte de 111 presos, em 1992, no presídio de Carandiru, em São Paulo, acusados da prática de homicídios qualificados. Não obstante essa disposição seja imoral e impessoal, a verdade é que nela não se vislumbra qualquer inconstitucionalidade, mesmo porque, na época das mortes, o homicídio qualificado não tinha natureza hedionda. Todavia, essa imoralidade pode ser suspensa por decisão do Supremo Tribunal Federal ou através de uma revogação do Decreto, após 01.01.2023, pelo novo presidente que assume a chefia do Poder Executivo.

Adeildo Nunes, juiz de Direito aposentado, mestre e doutor em direito, professor, advogado e membro do Sindicato dos Advogados de Pernambuco.

 

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