OPINIÃO

Crônica de um golpe anunciado

Ato criminoso calculado, o golpe de 8 de janeiro foi suficientemente anunciado pelos órgãos de informação. Havia definição do dia, hora e local.

DAYSE DE VASCONCELOS MAYER
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DAYSE DE VASCONCELOS MAYER
Publicado em 15/01/2023 às 6:09
Thiago Lucas
Crônica de um Golpe Anunciado - FOTO: Thiago Lucas

Bolsonaro partiu - garantiram. Mas o ex-presidente nunca se foi embora. Esteve sempre em Brasília como um espectro. Quando Lula ganhou a eleição, os vitoriosos afirmaram, com certa ingenuidade, que a página estava virada. Logo iriam perceber quão visível é a estupidez humana.

No formato sibilino de um polvo - um dos moluscos mais perigosos do mundo por conta da toxina TTX - Bolsonaro passou a exibir seus tentáculos para andar, rastejar e atacar de forma espectral. Revelou a sua impressionante capacidade de alterar a cor da pele e a textura de seu corpo para se camuflar. Deixou para o séquito de fanáticos uma herança maldita: o desejo de solapar a democracia, a Constituição, os direitos humanos e o bem público. Os "filhotes de polvo aceitaram, sem questionamento, as mentiras que conduziriam ao espetáculo de criminalidade no DF.

Ato criminoso calculado, o golpe de 8 de janeiro foi suficientemente anunciado pelos órgãos de informação. Havia definição do dia, hora e local. E não se poderia alegar que o inimigo estava escondido em covis ou furnas escuras ou que o número de baderneiros estava além dos recursos do poderio militar. Ainda assim, ao ser questionado sobre as possibilidades de invasão, o governador de Brasília deixou uma mensagem de serenidade, otimismo e fé no homem. Revelava-se o J.J. Rousseau desse século. Por tudo isso, nenhuma barreira existiu para impedir que os sociopatas perdedores, frustrados ou malogrados manifestassem a sua fúria, exteriorizada em agressões às autoridades, depredação de prédios e mobiliários, mutilação de obras de arte, incluindo pinturas de Di Cavalcanti e Burle Marx, esculturas e cadeiras produzidas por judeus poloneses vítimas do holocausto.

Existiu, sem dúvida alguma, inação (ou conivência) de muitos. Presume-se, inclusive, que os policiais tinham consciência de que estavam descumprindo o dever de resguardar a lei e a ordem, defender o patrimônio público. Contudo, estavam convencidos da impunidade. Confirma tal hipótese o fato de não sentirem necessidade de esconderam os rostos. Tampouco os nomes inscritos em suas fardas.

Pelas 14 horas, quando os moluscos humanos balançavam seus tentáculos e estouravam os vidros do TSF, o Ministro da Defesa - José Múcio - numa relação ambivalente com o Ministro da Justiça, almoçava tranquilamente no restaurante "Fuego", na Comercial 112-Sul, sendo bastante saudado pelo ex-deputado Augusto Carvalho. É difícil interpretar o raciocínio do Ministro que, segundo propagam, possui livre trânsito com as Forças Armadas - instituições nacionais criadas com o objetivo de defender o Estado, as instituições democráticas e os poderes constitucionais.

O certo é que os governos (estadual e federal) esqueceram que o mito de Troia se manifesta em todos os tempos. Repetindo a lenda grega, nossos governantes abriram os portões para o ingresso do cavalo. Diferente dos helênicos, os novos invasores apareceram visíveis nos 100 ou mais ônibus que os trouxeram de diferentes paisagens.

O cavalo de Troia, citado por Homero na Ilíada e por Virgílio na Eneida, simboliza a nossa indigência cultural. Também significa que a alma nem sempre é divina. Por isso vale a pena recordar o verso de Vinicius homenageando os 66 anos de Di Cavalcanti: ...por isso pinta Pintor pinta...pinta o ódio e pinta o amor.

Dayse de Vasconcelos Mayer é doutora é ciências jurídico-políticas 

 

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