Dias tensos, com cenas lastimáveis e revelações aterrorizantes sobre até onde o radicalismo pode levar um país marcaram o início do ano no Brasil. O alívio provocado por uma posse presidencial sem incidentes - e que deixou a sensação de vitória da democracia - foi colapsado pela selvageria de supostos manifestantes, com a complacência de autoridades e agentes do Estado, naquele que passou a ser o maior atentado ao Estado Democrático de Direito brasileiro desde o fim da ditadura militar.
Além da indignação da maioria esmagadora dos cidadãos e cidadãs brasileiros (conforme pesquisa Datafolha realizada entre os dias 10 e 11 de janeiro, 93% são contrários à invasão e depredação de prédios públicos), o episódio desencadeou uma reação firme de lideranças das instituições e gerou a tentativa de interpretação desse fenômeno por parte de jornalistas e estudiosos dos fenômenos sociais, como historiadores, sociólogos e cientistas políticos.
O viés investigativo e punitivo é reação mais do que necessária para coibirmos a repetição de cenas que nunca deveriam ter feito parte da nossa história. Igualmente, o esforço analítico poderá contribuir para nos reencontrarmos enquanto sociedade em tempos de civilização, em que a barbárie não pode ser tomada como medida para nenhuma reação ao que quer que seja.
Por isso, ao longo da semana, revisitei a obra “Como as democracias morrem”, de Steven Levitsky e Daniel Ziblat, publicada em 2018. Considerada uma grande contribuição acadêmica para o estudo do regime democrático no mundo contemporâneo, é leitura necessária que nos leva a inúmeras reflexões. Nenhuma democracia morre do dia para a noite. Em seu processo evolutivo, ela convive com as sementes da sua destruição.
No capítulo 4, intitulado “Subvertendo a democracia”, os autores descrevem experiências recentes do processo de degradação das instituições democráticas, como o caso do Peru, com a ascensão de Alberto Fujimori ao poder, e da Venezuela, com Hugo Chávez. “O processo, que é gradativo e em pequenos passos, muitas vezes começa com palavras. Demagogos atacam seus critérios com termos ásperos e provocativos”, dizem os estudiosos, apontando que, se o público passar a compartilhar a opinião de que os oponentes são ligados ao terrorismo e de que a mídia está espalhando mentiras, torna-se mais fácil justificar as ações empreendidas contra eles.
Em seguida, cruzam-se as fronteiras entre palavras e ações. “É por isso que a ascensão inicial de um demagogo ao poder tende a polarizar a sociedade, criando uma atmosfera de pânico, hostilidade e desconfiança mútua”, asseveram. O objetivo é aniquilar as instituições, pois só assim é possível a tomada e perpetuação no poder. Muitas das medidas adotadas para esse fim utilizam como pano de fundo pretextos até mesmo elogiáveis, como “limpar as eleições”, combater a corrupção ou aperfeiçoar a própria democracia, garantindo a segurança nacional.
De forma análoga a uma partida de futebol, dizem os autores, os autocratas eleitos buscam “capturar o árbitro, tirar da partida algumas estrelas do time adversário e reescrever as regras do jogo em seu benefício, invertendo o mando de campo e virando a situação do jogo contra seus oponentes”. Na história, muita coisa se recria e quase nada é coincidência. Que o Brasil aprenda com as lições, as suas e as de outrem.
Comentários