No pleito proporcional do ano passado foi aplicada pela primeira vez a Lei 14.211/21: somente poderão concorrer às sobras de voto siglas com votação de pelo menos 80% do quociente eleitoral (QE) e que seus candidatos obtenham votos de no mínimo 20% desse QE.
Em 21 estados da federação pelo menos uma sigla em cada qual cumpriu com tais requisitos. Isso significa que sem essas barreiras ainda assim a abertura propiciada pela reforma eleitoral de 2017 (todos os partidos podem disputar sobras de voto - a chamada "democratização das sobras") contemplaria siglas que ascenderiam ao Parlamento em ao menos 78% dos estados.
Por outro lado, em apenas 6 estados (PA, PB, PI, RN, MT e AC) nenhuma sigla com votação abaixo do QE conseguiu atingir 80% desse parâmetro. Então, como regra geral, nos estados nos quais esta situação prevalece, a eleição se circunscreve àquelas siglas que obtém pelo menos 100% do QE e elas ficam com todas as vagas disponíveis no Legislativo, as diretas, pelo quociente partidário, e as remanescentes, por média.
Quer dizer, a Lei 14.211 propicia o surgimento de casos que remetem o mecanismo de voto à sistemática anterior à reforma eleitoral de 2017, em que só os partidos que fizessem o QE concorriam às sobras de voto e obtinham todas as vagas legislativas em disputa, uma regressão por todos os títulos ofensiva aos alicerces conceituais do sistema proporcional.
A aplicação da nova lei na eleição de 2022 trouxe, ademais, certas situações eleitorais deveras inusitadas, expondo o caráter de improviso que embalou sua apressada formulação em 2021.
No Amapá, por exemplo, apenas um partido, o PDT, ultrapassou o QE do pleito, conquistando 3 das 8 vagas. O PL e o MDB foram os únicos que superaram a barreira dos 80% do QE, ficando com as 5 vagas restantes.
Destaque-se o caso do PL, que sequer alcançou o QE da eleição e, inobstante, obteve 3 vagas (com apenas 11,5% dos votos abocanhou 37,5% das vagas), o que causa espécie, à míngua de outra conotação.
O contexto final do pleito configura evidente desproporcionalidade entre votos e vagas legislativas pari passu com concentração da representação parlamentar.
Vigesse a Lei 13.488/17 (democratização das sobras), o PDT, com votação acima do QE, faria jus a 2 vagas, ao passo que as siglas que não alcançaram o QE, mas tiveram boa votação, conquistariam uma vaga cada: PL, MDB, PP, Republicanos, Federação PT/PCdoB e Federação PSOL/REDE, resultados que mostram uma distribuição de vagas entre siglas bem mais consonante com suas densidades de voto e que espelham mais fielmente o pluralismo político intrínseco ao sistema proporcional.
Está claro que a nova legislação precisa ser revista.
Maurício Costa Romão, Ph.D. em economia pela Universidade de Illinois, nos Estados Unidos. mauricio-romao@uol.com.br
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