No último 1º de fevereiro, a sempre comedida Ministra Rosa Weber, Presidenta do STF, declarou em emocionado, corajoso, discurso, aberto o ano judiciário de 2023. A Ministra falou do mesmo salão plenário invadido quase um mês antes, vandalizado por pseudo patriotas, porém, reconstruído em tempo recorde, a sinalizar, ao fazê-lo S. Exa., que os golpistas fracassaram no seu intuito.
As palavras do discurso já pertencem aos livros de história; elas reverberam um sentimento que precisava, com toda a sua simbologia, ser extravasado sempre. Um sentimento que transcende a toga e alcança a comunidade jurídica. Um sentimento que dialoga sem subterfúgios com a opinião pública que ainda se indigna por que não foi sequestrada pelo canto da sereia do extremismo.
Pode-se criticar (e dar publicidade a isso) uma decisão da Justiça, quando divulgada. Inadmissível a simples ideia de censura prévia, o que levaria à criminalização do próprio direito de crítica. O que não se pode é extrapolar da órbita do pensamento para encampar o ódio, a violência, o crime como linguagens
contestatórias válidas. Não o são e nem o devem ser. Daí o repúdio à investida contra um juiz por convicção (o crime de hermenêutica) ou ao Tribunal por endossá-la, colegializando a opinião monocrática.
Apelidos ofensivos, retóricas preconceituosas, de desacato, xingamentos, insultos, provocações, ameaças, incitações, por isso, não são liberdade de expressão, e, com isso, indiferentes penais.
Tão relevante quanto cobrar das autoridades competentes o zelo à ampla defesa e ao contraditório, assegurando ao advogado a mais plena atuação em prol do cliente; tão crucial quanto exaltar a presunção de inocência e a não autoincriminação; tão nevrálgico quanto evitar a armadilha da responsabilização criminal objetiva e os cupins da generalização e da culpabilização por eliminação de hipóteses; tão urgente quanto repudiar prisões cautelares desnaturadas para antecipações de sentenças que não foram
dadas; tão indispensável, em suma, quanto tudo isso reunido é combater com as armas do verbo e da temperança a dialética que ousa querer normalizar ataques ao Estado Democrático de Direito.
É desinfluente quem seja a pessoa ou a plataforma que ela escolha e utilize para publicizar o seu pensar, seja a pretexto de criticar, seja sob o argumento de opinar. Se a opinião ou a crítica tem como foco um fim violento, não é crítica, nem opinião. Nem, menos ainda, liberdade de expressão.
Conquanto esta cortejada senhora, a liberdade de expressão, seja entre as liberdades a que mais divergências provoca, há que se convir que, envolvendo a noção de civilização um dever básico de respeito reciproco, não há a rigor por que existir discórdia. Respeito, afinal, é bom e todo mundo gosta, como ensina desde idos imemoriais a “vox populi”. Segundo Hannah Arendt, “a razão humana, por ser falível, só funciona se se puder fazer uso público dela”. A projeção pública de um sentimento ou juízo de valor sobre algo assentado na realidade fática, a princípio, é uma garantia de todos. Deixa de sê-lo quando se toma posse dela para se desferir ataque àquilo que ela protege em maior análise.
No seu lúcido pronunciamento quando da mesma cerimônia aludida no preâmbulo, o bastonário da advocacia brasileira, José Alberto (Beto) Simonetti Cabral, bradou: “Dizemos ‘Sim’ às divergências e ao debate de ideias. Dizemos ‘Não’ à depredação, à ameaça e à tentativa de colocar fim à democracia. A soberania do povo brasileiro, manifesta por meio do voto direto, secreto, universal e periódico, não
pode ser relativizada, nem tampouco tutelada. Ela é inegociável”.
Por tudo isso, colossal a responsabilidade do advogado em quadras históricas como aquela que o Brasil hoje atravessa. Uma responsabilidade bifurcada. De um lado, no combate de Sol a Sol contra a acusação feita ao cliente; de outro, no combate pelo fortalecimento democrático. Não existem atalhos. Ou direitos e deveres figuram em pé de igualdade na balança civilizatória, ou estará a humanidade condenada, sem
direito a apelar livre, à prisão de segurança máxima da própria vergonha. Ser cidadão de bem é ter clareza disso.
Gustavo Henrique de Brito Alves Freire, advogado
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