OPINIÃO

Há 114 anos, nascia Dom Helder Câmara, uma vida, um legado!

A defesa do ideário democrático e, sobretudo, dos direitos humanos chegou a lhe valer a alcunha de Bispo Vermelho.

ROBERTO PEREIRA
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ROBERTO PEREIRA
Publicado em 10/02/2023 às 0:00 | Atualizado em 10/02/2023 às 12:53
ALEXANDRE BELÉM / ACERVO JC IMAGEM
Dom Helder deixou o legado do cristianismo social, de uma Igreja fiel aos seus dogmas, mas identificada com as causas humanitárias - FOTO: ALEXANDRE BELÉM / ACERVO JC IMAGEM

O dia 7 de fevereiro deveria ser mundialmente consagrado à luta pela paz e ao combate às desigualdades sociais existentes. Esta é a data de nascimento, em 1909, de Dom Helder Câmara, nordestino do Ceará, brasileiro do mundo, identificado pelo então Papa João Paulo II como irmão dos pobres, num reconhecimento à vida assinalada por sua denodada e destemida luta pela erradicação da miséria e no confronto às injustiças sociais. Este apostolado lhe conferiu, nos quadrantes deste planeta, ser exaltado e reconhecido como o Dom da Paz.

Desde seu ingresso na Igreja, incansavelmente pugnou em defesa das causas sociais e humanitárias, além do enfrentamento que fez à ditadura de 1964. A defesa do ideário democrático e, sobretudo, dos direitos humanos chegou a lhe valer a alcunha de Bispo Vermelho.

Sem ranço e sem medo, continuou a se dedicar à causa da integridade humana e, nas amarras do silêncio que lhe foi imposto, quando precisava expor as suas ideias saía do Brasil para exortar a paz e a harmonia entre os homens de boa vontade, e combater, com veemência, as torturas que tanto aviltavam seres humanos durante a Ditadura Militar.

"Sou a voz dos que não a têm," exclamou de uma feita o então arcebispo emérito de Olinda e Recife, como a instigar a Igreja Católica do Brasil a falar a linguagem dos excluídos, dos vitimados por amordaças que os deixaram emudecidos diante das ameaças reinantes.

O melhor apelido, todavia, o que mais representou a sua densa e intensa vida, foi o de "Dom". Ele foi - e eternamente será - o Dom da Paz, da harmonia, da justiça social, da defesa da vida, da solidariedade, da intransigente luta contra a miséria. "Pobreza é suportável, mas miséria é um acinte à natureza humana," exclama Dom Helder na tentativa de dar voz e vez aos excluídos das condições mínimas de vida, saúde e paz de espírito.

O nosso eternamente "Dom" nunca lamentou possíveis agruras. Entrementes, numa certa altura, extravasou: "...quando dou pão ao pobre, / chamam-me de santo, quando / pergunto pelas causas da pobreza, / me chamam de comunista."

É essa prospecção da razão da pobreza e da miséria humana que não importa a muitos dos que delas se servem, líderes pouco interessados nas gerações mais novas, porque, nos currais, é pela industrialização da miséria que se chega a votos nas urnas democráticas, mas ainda emolduradas pela exploração dos ricos sobre os pobres.

Não hesitei, quando presidi a Fundarpe, em apoiar a realização, em 9/3/85, no Teatro Guararapes, da Sinfonia dos Dois Mundos, esta com música de Pierre Kaelin, padre suíço, e texto originariamente escrito em francês, por Dom Helder, que, nessa apresentação e em todas as realizadas mundo afora, ele próprio foi o recitante, com música tocada pela Orquestra Sinfônica da Paraíba, sob a regência do maestro Ailton Escobar. Emocionante, quando ele disse: "Quanto mais negra é a noite, mais bela é a aurora que ela carrega no seu seio."

Ele deixou o legado do cristianismo social, de uma Igreja fiel aos seus dogmas, mas identificada com as causas humanitárias. Por isso, ele viverá enquanto vivermos e soubermos ser dignos de passar, a cada geração, o significado de suas lições em palavras e obras, em atos e gestos, amando os pobres, compartilhando o pão nosso de cada dia. Obrigado, Dom Helder!

Roberto Pereira,  ex-secretário de Educação e Cultura de Pernambuco.

 

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