OPINIÃO

O galo para salvar o mundo

A festa mais democrática, livre e tolerante, a maior mistura de cores. O maior tremor já visto no planeta, com 10 pontos na escala dos passistas e das orquestras de frevo. O maior encontro de caboclinhos, caboclos de lança, maracatus, papangus e outras tribos originárias, todas reverenciadas, respeitadas e aplaudidas.

SÉRGIO GONDIM
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SÉRGIO GONDIM
Publicado em 17/02/2023 às 0:00 | Atualizado em 17/02/2023 às 10:24
JOSÉ MARTINS/JC
Considerado o maior bloco de rua do mundo, o Galo da Madrugada voltará a arrastar multidões no Carnaval do Recife - FOTO: JOSÉ MARTINS/JC

Não estavam cicatrizadas as feridas nem superadas as dores da pandemia, lá veio a guerra. Guerra em modelo antigo, sem novidades tecnológicas, sem preservar os civis. Só bombas, choro e abandono, como se arrancar as raízes do homem não fosse nada, como se a megalomania e ambição humanas resistissem a um simples olhar para o espaço ou, talvez exatamente por isso, preferem o barulho das bombas ao silêncio e reflexão sobre a própria insignificância.

A seguir veio a chuva nas barreiras onde só deveria haver proteção e drenagem, mas encontra gente precisando ter onde morar, até que a lama os soterre.

Instalou-se o radicalismo político que transformou a cervejinha no boteco em ambiente perigoso, a piada sobre políticos um desacato, amigos mais à direita ou esquerda, intrigados para sempre. Uma loucura coletiva de testa franzida, lábios pálidos e um pouco de saliva branca nos cantos sinalizando a intolerância. Se pensar diferente "acabou aqui".

E os Yanomami, que tristeza para quem passou a infância torcendo pelos índios nos filmes do faroeste americano. O homem estudou e criticou o absurdo que os colonizadores fizeram com os povos originários, mas não aprendeu nem mudou nada. Passaram os séculos e continua extrativista e impiedoso. Tem algo de muito errado, além das milhares de pistas de pouso clandestinas na Amazônia, nas cenas de desnutrição e doenças extremas no meio da floresta tão rica. O extermínio de quem teríamos obrigação de proteger estava a caminho, para deixar a terra arrasada, contaminada, um "meu Brasil" para envergonhar a todos para sempre.

Aí, foi demais e a terra tremou com força. Prédios caíram como se fossem de areia, sem distinguir as facções em conflito, mostrando quem está no poder. Milhares de mortos em segundos e alguns salvamentos heroicos, como exemplos do valor que a vida tem.

Os Incas interpretavam os terremotos, tsunamis e El Niño como sinal da ira dos Deuses modificando a temperatura do mar, afastando os peixes e a chuva, trazendo fome e destruição. As vezes o castigo era máximo: terremoto, tsunami e El Niño juntos. Para acalmá-los, ofereciam o brilho do ouro, danças, cantos, alimentos e até vidas humanas, por vezes mulheres virgens, apelando em desespero, como quem diz: será que estão em falta por lá?

Parece que os Deuses agora perderam a paciência. Motivos têm de sobra. Falta pouco para que decidam desviar a rota de um asteroide, basta um. Podem aquecer mais um pouquinho as geleiras, agitar para valer uma placa tectônica, deixar vazar larva quente e fumaça até empatar o sol. Se quiserem podem gerar um vírus para matar num piscar de olhos, enquanto os homens se desentendem articulando uma maneira de levar vantagem da pandemia ou tentam mudar a realidade disparando notícias falsas para uma multidão de fiéis que acredita e segue religiosamente, mesmo quando lhes falta o fôlego.

Quando os Deuses quiserem, a terra estará sem luz, chacoalhando, inundada e se sobrar alguém, há de fazer um filme sobre o fim do planeta. O nome do filme? "Foi merecido".

Hoje, para acalmá-los, nos resta oferecer o maior espetáculo da terra, a mais contagiosa das alegrias que entra na cabeça toma conta do corpo e sai pelo pé. A festa mais democrática, livre e tolerante, a maior mistura de cores. O maior tremor já visto no planeta, com 10 pontos na escala dos passistas e das orquestras de frevo. O maior encontro de caboclinhos, caboclos de lança, maracatus, papangus e outras tribos originárias, todas reverenciadas, respeitadas e aplaudidas.

Que venha o Galo da Madrugada, para salvar esse mundo.

Sérgio Gondim, médico

 

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