Os rentistas são o vilão da vez. Na verdade, são os vilões preferidos dos governantes em busca de um inimigo. Segundo o presidente Lula da Silva e vários dos seus apoiadores, os rentistas se locupletam com o Banco Central, que aumenta as taxas de juros para elevar os seus rendimentos.
O economista André Lara Resende afirma que os “juros altos premiam os rentista se inviabilizam os investimentos na expansão da capacidade produtiva”. Esta é uma inversão total da lógica. Quem inviabiliza os investimentos no Brasil é o tamanho da dívida pública, que absorve grande parte da poupança das famílias que, do contrário, seria destinada ao financiamento dos investimentos.
O “crime” dos rentistas, portanto, é destinar parte da sua poupança para financiar o déficit público e a dívida de um Estado perdulário.
O mesmo Lara Resende inverte a equação quando diz que “a dívida pública presta um serviço aos poupadores, às empresas, aos ricos, aos rentista e a todos os agentes na economia que precisam transferir poder aquisitivo no tempo sem correr riscos”.
Não é o contrário? Os poupadores que prestam um serviço ao Estado, financiando o seu endividamento que decorre, por último, do déficit público.
Se não fossem os perversos rentistas, o Estado não tinha como financiar o seu déficit, nem rolar a sua dívida e, neste caso, seria um colapso fiscal.
Rentista é um termo depreciativo que tenta estigmatizar os brasileiros que têm poupança aplicada em títulos da dívida pública como se fossem parasitas que vivem apenas de rendimentos financeiros.
Tratam como ricos “gananciosos” os milhões de brasileiros que conseguem poupar (grande parte da classe média com conta bancária) que aplicam em títulos da dívida pública através dos fundos de investimento.
A grande maioria dos quais trabalha ou tem um negócio e não vive exclusivamente do rendimento das aplicações. Evidentemente, a aplicação da sua poupança busca taxas de juros atrativas e seguras, podendo fugir dos títulos da dívida pública se estes pagaram menos que outros papéis, incluindo as ações negociadas na Bolsa de Valores. Ou pode desviar os recursos para o consumo que pode pressionar os preços.
Dizer que o Banco Central manteve a taxa de juros Selic em 13,75% para elevar a renda dos chamados rentistas, como uma armação para roubar o Brasil, é uma grande calúnia.
E é um despropósito irresponsável afirmar que a decisão teria um viés político para prejudicar o governo Lula (o deputado Guilherme Boulos disseque Roberto Campos Neto é um “infiltrado no governo Lula”), ignorando que o Banco Central vem mantendo esta taxa desde agosto do ano passado e resistiu às pressões do ex-presidente Bolsonaro, que também condenava a política monetária.
O fato é que, mesmo com a Selic tão alta, a inflação persiste e continua superando a meta de 3,25% e mesmo o limite máximo de 4,85%; no acumulado de 12 meses, a inflação brasileira chegou a 5,87%, bem acima deste limite.
Portanto, não está sendo possível baixar a inflação apenas com o instrumento de política monetária, devido a outros fatores que dependem da decisão do governo, como a política fiscal, ou mesmo de variáveis que fogem à governabilidade do Banco Central e mesmo do governo.
Entretanto, é importante lembrar que se a taxa de juros não está conseguindo levar a inflação para dentro da meta, o caminho contrário, a redução descontrolada da Selic podepromover uma nova alta inflacionária na medida em que diminui o incentivo à poupança, estimula o crédito e a demanda, e favorece a desvalorização cambial. Lembram de Dilma?
Em manifesto divulgado na semana passada, apoiando a arenga de Lula com o Banco Central, alguns dos mais destacados economistas brasileiros declararam “apoio a uma política que seja capaz de reduzir substancialmente a taxa de juros, propiciando as condições para a retomada do desenvolvimento com estabilidade sustentável”.
Ninguém pode discordar desta afirmação. Mas eles não dizem qual política que pode levar à redução substancial da taxa de juros que, rigorosamente, teria que lidar com fatores que estão fora da alçada do Banco Central, incluindo a política fiscal.
O governo pretende acabar com a independência do Banco Central abrindo caminho para submeter a política monetária ao interesse político que, provavelmente, levaria a decisões expansionistas.
Mas como Lula já percebeu que não tem base política para tanto e que o atual presidente do Banco Central, mesmo demonizado pela rede petista, não está disposto a renunciar, aposta agora na redução da meta de inflação.
A meta de inflação indica a proposta de convergência das taxas inflacionárias nos próximos anos, sendo, portanto, uma decisão política de responsabilidade do Conselho Monetário Nacional, com maioria governista.
A taxa de juros se orienta por esta meta, mas mesmo com as possíveis divergências de calibragem, é uma escolha técnica com base na análise das tendências e fatores determinantes do comportamento dos preços.
O presidente Lula vai forçar um aumento da meta de inflação, lembrando que o CMN é formado pelo atual presidente do Banco Central e por Fernando Haddad e Simone Tebet, ministros do governo.
Já que a inflação não cai com a taxa de juros, decide aumentar a meta de inflação para permitir uma moderação da Selic. Politicamente legítimo. Mas sinalizaria para os agentes econômicos uma perigosa tolerância com a inflação.
Sérgio C. Buarque, economista
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