OPINIÃO

A têmpera do caráter

A questão central, contudo, são os limites traçados por cada um para a satisfação das próprias conveniências. Há uma minoria que a elas se entrega, confessada, obstinada, desavergonhada e ilimitadamente. Todos os pensamentos, ações e desejos são orientadas unicamente para o atendimento às conveniências do momento.

RONNIE PREUSS DUARTE
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RONNIE PREUSS DUARTE
Publicado em 04/03/2023 às 0:00 | Atualizado em 04/03/2023 às 6:29

São as conveniências o mais candente fogo sobre o qual a virtude é posta à prova. Desde muito cedo, e por toda a vida, somos confrontados com multifacetadas conveniências cuja satisfação tendencialmente direciona o nosso agir cotiiano. Defrontamo-nos sempre com conveniências afetivas, conveniências alimentares, conveniências sexuais, conveniências financeiras, conveniências políticas, dentre tantas outras.

A traição, por exemplo, invariavelmente ocorre porque o traidor quis atender a alguma conveniência sua. Perscrutando a raiz de todo o pecado, encontraremos inexoravelmente o fortíssimo apelo das conveniências, que são, em verdade, o apetrecho do Capeta para a corrupção da humanidade. Diz-se, inclusive, que Cristo resistiu às tentações porque não aspirava ao poder ou à saciedade que lhes foram ofertadas pelo Satanás no cimo do monte em pleno deserto. Ele, diferentemente de nós outros, era Deus, despido das aspirações mundanas. Convinha-lhe, apenas, fazer a vontade do Pai, vivendo no exemplo e na expiação até o dia da ascensão final.

Mas nós temos uma outra natureza. Todos ambicionamos algo na breve jornada terrena: queremos ser amados, queremos ser admirados, queremos prestígio, queremos conforto, queremos prazer. Nutrimos expectativas e contamos muitos desejos pendentes de serem saciados. E todos, indistintamente, gostamos de benefícios. Um traço comum das pessoas é o apreço por uma "moleza", por um privilégio e por uma concessão.

E é bom deixar bem claro que não merece qualquer censura as condutas individuais orientadas ao atendimento de conveniências pessoais, sendo indiscutível que absolutamente todos nós, legitimamente, fazemos isso. A questão central, contudo, são os limites traçados por cada um para a satisfação das próprias conveniências. Há uma minoria que a elas se entrega, confessada, obstinada, desavergonhada e ilimitadamente. Todos os pensamentos, ações e desejos são orientadas unicamente para o atendimento às conveniências do momento.

Transitando em ambientes políticos e profissionais de maior qualificação, percebo que a maioria da população é mais sutil e contida. Para evitar o desassossego da consciência, optam por deliberadamente ignorar o verdadeiro porquê das próprias escolhas, eventualmente abraçando justificativas retóricas que estão sempre disponíveis nas prateleiras mentais, no afã de aplacar a culpa e afastar a censura alheia face ao inaceitável trespasse dos limites morais (ou mesmo legais) para a saciedade das próprias conveniências.

Enquanto me aproximo do meio século de vida, posso dizer que, hoje, a métrica da estatura moral de um indivíduo passa, sobretudo, pela sua verdadeira disposição para resistir às tentações, para confrontar as próprias conveniências e para fazer o que é certo, independentemente do que pontualmente lhe convém.

Ronnie Preuss Duarte, advogado

 

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