O título integra a música-enredo de uma das escolas de samba do Rio. Lembra a frase de Nelson Mandela “a vossa liberdade e a minha não podem ser separadas”. Afinal, se as liberdades não podem e não devem ser apartadas, não deveria existir incursão no direito do outro. Infelizmente há. E sempre com o desequilíbrio e desqualificação no nosso contrato social.
É bom recordar que a palavra liberdade, que se origina do nome do deus romano Líbero, é um dos vocábulos mais discutidos, direta ou indiretamente, no Brasil e no mundo. Ele está presente nos processos judiciais, nos boletins de ocorrência nas delegacias, nos veículos de comunicação, nas redes sociais....
As “fake news”, por exemplo, têm exercido a sua primordial função negativa de sabotar a verdade incitando o ódio e a violência. Foi o caso da notícia de que a comunidade LGBT teria direito a espaços próprios nos estacionamentos.
A verdade mais simples é que jamais houve tanta discussão acerca da liberdade quando se trata de cor, sexo, raça, religião...daí a batelada de normas proibitivas do uso de certos vocábulos com a finalidade engastada de varredura do preconceito.
Um dos procedimentos mais conhecidos é a alteração do léxico português no capítulo dos sinônimos com o objetivo de solapar a distinção entre o pensar e o dizer. Esquecem que é possível proibir o falar, mas é impossível proibir o ato de pensar. Nesse aspecto, seria uma tautologia a expressão “direito de livre pensamento”. O que nem sempre é possível é a livre exteriorização.
Considerando a impossibilidade do cerceamento do pensar, o que se denomina, hoje, de “logicamente-verdadeiro” é a manipulação política da informação ou da “verdade” com a finalidade de modificar condutas de forma compulsória.
A vida se converte, nesse aspecto, numa escolha de sinônimos, nomeadamente no âmbito do preconceito. Sabemos, contudo, que a manipulação não possui o condão de bloquear ou fazer desaparecer o sentimento preconceituoso.
O preconceito pode ser erradicado por meio da educação nos primeiros meses de vida e completada na escola, daí as dificuldades de exigir que o adulto aja de forma responsável, inclusive nas redes sociais.
A verdade factível é que estamos atravessando a fase estéril do “politicamente correto”: o Estado está assumindo o monopólio ou função de detentor da linguagem comunicativa ou de institucionalização da linguagem falada ou escrita. É o poder determinando o que é correto ou politicamente aceitável.
Caminhamos para uma maior complexidade quando adentramos no universo jurídico. Nesse plano, a lei passa a espelhar apenas os interesses de coligações ou sucumbir diante da pressão ostensiva dos grupos de pressão auxiliados pela mídia.
A situação das mulheres, minorias sociais, índios, comunidades LGBT, associações afrodescendentes, etc. ilustra tal entendimento. Esses grupos põem em prática um ato de engenharia.
Enquanto a “engenharia do poder transfere energia elétrica, a da comunicação transfere informação”. Tal informação tem a finalidade de gerar culpa na sociedade, medo, desejo, insatisfação, violência. A informação está para a democracia como o porrete e a execução para o Estado ditatorial.
Recordo, no meu tempo de estudante de Direito, que um dos nossos professores revelava um pensamento questionável ao afirmar que a prostituição era, de certo modo, um mal necessário porque tinha o condão de preservar a virgindade das mulheres. Sucede que o termo “virgem” foi superado pelos costumes e a prostituição deixou de ser crime.
Contudo, a violência sexual não esvaneceu. Ao contrário, foi agravada pelo aumento de estupros. Talvez – e essa é uma hipótese a investigar - o excesso de publicidade, informações ou publicações sobre determinados atos contrários ao direito venha concorrendo para a exacerbação da violência. Cita-se o exemplo da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/06 com as revisões e alterações da Lei 13.827/19).
Mesmo com opiniões discordantes – ela pouco tem concorrido para a redução do número de assassinatos e da violência doméstica: a cada minuto, 53 mulheres são objeto de agressão física no Brasil.
Em resumo, a lei vem se convertendo numa modalidade de solução procrastinadora: já que o preconceito não pode ser expurgado de imediato, os grupos de pressão são apaziguados ou distraídos por meio do disciplinamento legal do ato considerado aviltante.
Por tudo isso, ainda é difícil encontrar, sem uso da retórica, a liberdade com as suas asas abertas pairando sobre nós - rebanhos tolos e distraídos do ato de pensar e exteriorizar de forma responsável.
Dayse de Vasconcelos Mayer, doutora em ciências jurídico-políticas
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