OPINIÃO

O Ensino Médio no centro do debate

Apesar dos desafios que o Novo Ensino Médio apresenta, nada justifica sua revogação. Ele tem o apoio dos secretários estaduais de Educação, e muito dinheiro já foi investido nisso. É hora de dosar nossas emoções e não de olhar para nossos próprios interesses.

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Publicado em 19/03/2023 às 21:03 | Atualizado em 19/03/2023 às 21:04
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Hoje, na área da educação, o país debate, intensamente e de modo muito polarizado, a revogação ou o aperfeiçoamento do chamado Novo Ensino Médio - FOTO: GUGA MATOS/JC IMAGEM

Certa vez, conversando com o saudoso mestre Ricardo Ferreira acerca de um diálogo que havia escutado entre dois jovens professores de matemática sobre inteligência e burrice, ele, com muita propriedade, disse: "Mozart, o importante é dosar a ignorância!".

Hoje, na área da educação, o país debate, intensamente e de modo muito polarizado, a revogação ou o aperfeiçoamento do chamado Novo Ensino Médio, criado pela Lei n°. 13.415/2017. Antes, contudo, de trazer minha opinião para o centro desse debate, creio que vale a pena registrar alguns números do Ensino Médio antes da referida lei.

Dados de 2017, obtidos do Portal QEdu.org.br, mostram que, de cada 100 alunos que concluíam o Ensino Médio na rede pública do Brasil, apenas 5 aprendiam o que seria esperado em matemática; em língua portuguesa, esse número crescia ligeiramente para 24. Mais do que isso, 759.564 eram reprovados, e outros 437.323 abandonavam a cada ano as escolas de Ensino Médio. Um verdadeiro desastre educacional! Ou estou equivocado?

Dos que concluem o Ensino Médio no Brasil, estima-se que apenas 22 de cada 100 alunos conseguem ingressar no Ensino Superior. O que fazer com os outros 78? Muitos desses bateram no "teto", do ponto de vista de expectativa de desenvolvimento pessoal e social, e só fazem engrossar as fileiras dos que nem estudam, nem trabalham. Até porque o Ensino Médio de então não dava formação técnica profissionalizante para o mundo do trabalho. O pior é que grande parte desses terminavam lamentavelmente contribuindo para aumentar a taxa de homicídio juvenil.

Estava claro que o país precisava tomar uma medida urgente para reverter esse quadro, e a Lei no. 13.415/2017 veio romper com essa situação, oferecendo um ensino mais flexível e diversificado, em consonância com o projeto de vida do jovem. Ela trouxe na sua estrutura a alternativa de o estudante cursar todo o Ensino Médio mediante uma formação técnica profissionalizante, de modo que parte daqueles 78 pudessem ter maiores chances de ingressar no mundo do trabalho. Nesse novo modelo, o Ensino Médio é composto de uma parte comum de 1.800 horas que todos os alunos devem cursar e outras 1.200 horas de acordo com seus interesses futuros, os chamados itinerários formativos.

Até aqui, posto no papel, tudo parece perfeito e adequado aos novos tempos, mas, infelizmente, esse novo Ensino Médio tem algumas imperfeições, o que, na minha modesta opinião, não justifica sua revogação. A seguir cito três dessas imperfeições.

A primeira, de natureza política, parte da comunidade da área da educação, especialmente vinculada ao Ensino Superior, que não aceitou o fato de que esse novo Ensino Médio tivesse sido criado por Medida Provisória (MP), sem um debate mais ampliado. Mas o então ministro da Educação Mendonça Filho fez isso para dar celeridade e prioridade à questão no Congresso Nacional. Isso, entretanto, teve um custo político junto à comunidade. Não vamos esquecer, por outro lado, que o debate em torno do Ensino Médio já se arrastava por mais de cinco anos naquela casa. É notório, e precisamos reconhecer, que a Leino. 13.415, oriunda dessa iniciativa, veio com algumas imperfeições, que podem ser agora corrigidas. Faltava também clareza em alguns pontos dessa lei.

Outra dura crítica refere-se ao fato de que houve uma subtração na carga horária destinada às disciplinas ou componentes curriculares vinculados às humanidades. Isso também pode ser corrigido. Não há dúvida de que os nossos jovens vão precisar cada vez mais delas para viver neste século de profundas crises éticas e sociais.

Outro aspecto consiste em como assegurar que todas as escolas de Ensino Médio, especialmente aquelas que estão nas pequenas cidades brasileiras, venham a oferecer todos os quatro itinerários formativos atrelados às quatro áreas do conhecimento. Este Novo Ensino Médio é estruturado por áreas de conhecimentos e não por disciplinas para fortalecer a interdisciplinaridade. E isso, naturalmente, é um grande desafio, que precisa mesmo ser considerado, assim como avaliar no Enem aqueles alunos que optarem por fazer o curso técnico profissionalizante.

Apesar desses desafios que o Novo Ensino Médio apresenta, nada justifica sua revogação. Ele tem o apoio dos secretários estaduais de Educação, e muito dinheiro já foi investido nisso. É hora de dosar nossas emoções e não de olhar para nossos próprios interesses. Vamos pensar naquilo que interessa à nossa juventude e ao país, fazendo isso com equilíbrio e maturidade, pois esse tem sido o caminho conduzido corretamente pelo ministro da Educação Camilo Santana.

Mozart Neves Ramos, titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira do Instituto de Estudos Avançados da USP de Ribeirão Preto.

 

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