Com o plano de assassinato do ex-juiz e hoje senador Sergio Moro desbaratado pela Polícia Federal, a criminalidade violenta passou a ser manchete de jornais, TVs, blogs, podcasts etc. no Brasil e no mundo.
O Primeiro Comando da Capital (PCC), responsável por tal plano, é a principal e maior quadrilha criminosa do país, quiçá da América Latina, e faz muito tempo que almeja assumir o lugar do próprio Estado como monopólio da força.
Isso trata de crime organizado endógeno e exógeno que só chegou a esse patamar de ameaça às instituições republicanas graças à corrupção e a fragilidade do Estado como monopolizador da força e da violência legal. Anos de negligência política, e da própria análise da Ciência Política.
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O crime organizado só evolui com a presença de atores estatais (corruptos) favorecendo a sua estrutura e evolução. O PCC, como o Comando Vermelho, eram as duas únicas facções criminosas existentes no Brasil dos anos noventa.
Surgiram de dentro dos presídios - estruturas nas quais não há o devido controle estatal do monopólio legítimo da violência, imperando o mando ilegal e, muitas das vezes, criminoso dos líderes faccionados -, e evoluíram para além dos seus muros não apenas no tráfico de drogas das favelas paulistanas e cariocas, mas para dentro das estruturas do poder (crime organizado endógeno) cooptando políticos, policiais, desembargadores, juízes e mais funcionários corruptíveis para a evolução do crime organizado exógeno (que é o crime organizado de fora das estruturas do poder, mas macomunado com este).
O Rio de Janeiro é o microcosmo mais fiel desse desenho do crime, no qual podemos ver figuras completamente díspares em suas funções nos camarotes da Marquês de Sapucaí. Neles vemos desembargadores, milicianos, traficantes, policiais, juizes e outros atores sociais convivendo amistosamente no mesmo ambiente. Algo irreal em democracias consolidadas.
O PCC e o CV fizeram escola e criaram sucursais em todos os presídios brasileiros, e o que era apenas duas facções se transformou em oitenta e três distribuídas nos insalubres, desumanos e desajustados presídios do país.
Como na maioria das unidades prisionais não há controle do Estado, não há, por sua vez, o monopólio da força. Com isso, essas facções crescem e se tornam verdadeiras estruturas de poder nas comunidades as quais o seu domínio se faz.
A violência termina entrando na própria democracia eleitoral. Levantamento realizado pelo Centro de Estudos de Segurança e Cidadania do Rio de Janeiro demonstrou que, até o primeiro turno das eleições de 2020, o Brasil havia registrado mais de oitenta assassinatos de candidatos e militantes políticos. O estudo ainda apontou que a violência atinge políticos e partidos de todos os espectros ideológicos.
Quando vemos o Presidente da República duvidar da retidão das instituições coercitivas responsáveis pelo desbaratamento do plano terrível de matar Sergio Moro e a sua família, desdenhando da operação policial que foi elogiada, inclusive, pelo seu próprio ministro da justiça e segurança pública, percebemos que o presidente não é republicano e coloca sua mágoa política acima da segurança pública e jurídica do país, um verdadeiro acinte à sociedade.
Já foi mais que comprovado que a democracia retrocede quando a violência está descontrolada. O descontrole da violência comum, como o descontrole ainda reinante dos homicídios no Brasil, é o maior termômetro da falta de saúde de um regime político democrático. Quando o crime comum bate à porta das autoridades políticas é porque o descontrole da violência chegou ao seu ápice e precisa de medidas enérgicas para o seu recuo.
José Maria Nóbrega - doutor em ciência política UFPE, docente UFCG
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