OPINIÃO

Juiz das garantias: uma grande criação do legislador brasileiro

Antes da instituição do juiz das garantias, o mesmo magistrado que durante a investigação criminal presidia as audiências de custódia, decretava ou revogava prisões cautelares, ordenava a realização de buscas e apreensão domiciliar e praticava outros atos judiciais a pedido da autoridade policial ou do Ministério Público...

Adeildo Nunes
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Adeildo Nunes
Publicado em 18/05/2023 às 0:00 | Atualizado em 18/05/2023 às 6:21
CARLOS ALVES MOURA/SCO/STF
A ministra Rosa Weber, do STF, designou o próximo dia 24 para a realização do julgamento da demanda quando a introdução do juiz das garantias será consolidada ou rejeitada pelos seus ministros - FOTO: CARLOS ALVES MOURA/SCO/STF

Com o advento da Lei Federal nº 13.964, de 2019, que entrou em vigor em 23.01.2020, a denominada Lei Anticrime, deu-se a introdução dos arts. 3º-A ao art. 3º-F ao corpo do nosso Código de Processo Penal de 1941, criando a figura do juiz das garantias, uma das maiores atitudes legislativas adotadas pelo Parlamento brasileiro nas últimas décadas. Se antes o juiz criminal tinha jurisdição e atuação tanto na fase da investigação criminal, como durante o processo criminal (instrução e julgamento), com a criação do juiz das garantias houve uma divisão nessa atividade jurisdicional, um modelo tipicamente brasileiro, mas que tem tudo para vingar e para contribuir para uma maior agilização da Justiça Criminal do país.

Antes da instituição do juiz das garantias, o mesmo magistrado que durante a investigação criminal presidia as audiências de custódia, decretava ou revogava prisões cautelares, ordenava a realização de buscas e apreensão domiciliar e praticava outros atos judiciais a pedido da autoridade policial ou do Ministério Público, era, também, o mesmo magistrado o responsável pelo recebimento da denúncia do Ministério Público ou a queixa, ademais, também ele colhia provas e, finalmente, sentenciava, ora absolvendo, ora condenando o acusado pela prática dos ilícitos penais constantes da acusação. Em síntese: antes da criação do juiz das garantias, um mesmo juiz criminal atuava na fase da investigação criminal e, também, durante a instrução processual (colheita de provas), por fim absolvendo ou condenado o réu, mediante sentença judicial.

Ora bem: com a Lei nº 13.964/2019 o juiz das garantias passou a ser a autoridade judiciária responsável e exclusiva pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos individuais, cuja franquia tenha sido reservada à autoridade prévia do Poder Judiciário, concluindo-se que além do exercício do controle jurisdicional de todos os atos praticados na investigação criminal, o novo juiz das garantias passou a ter a missão de preservar os direitos e garantias individuais que estão dispostos na Constituição Federal de 1988 e nas leis vigentes do país.

Este juiz das garantias, com efeito, passou a ser a única autoridade judiciária autorizada para: I - receber a comunicação imediata da prisão, nos termos do inciso LXII do caput do art. 5º da Constituição Federal; II - receber o auto da prisão em flagrante para o controle da legalidade da prisão, observado o disposto no art. 310 do CPP; III - zelar pela observância dos direitos do preso, podendo determinar que este seja conduzido à sua presença, a qualquer tempo; IV - ser informado sobre a instauração de qualquer investigação criminal; V - decidir sobre o requerimento de prisão provisória ou outra medida cautelar; VI - prorrogar a prisão provisória ou outra medida cautelar, bem como substituí-las ou revogá-las, assegurado, no primeiro caso, o exercício do contraditório em audiência pública e oral, na forma do disposto no CPP ou em legislação especial pertinente; VII - decidir sobre o requerimento de produção antecipada de provas consideradas urgentes e não repetíveis, assegurados o contraditório e a ampla defesa em audiência pública e oral; VIII - prorrogar o prazo de duração do inquérito, estando o investigado preso, em vista das razões apresentadas pela autoridade policial; IX - determinar o trancamento do inquérito policial quando não houver fundamento razoável para sua instauração ou prosseguimento; X - requisitar documentos, laudos e informações ao delegado de polícia sobre o andamento da investigação; XI - decidir sobre os requerimentos de: a) interceptação telefônica, do fluxo de comunicações em sistemas de informática e telemática ou de outras formas de comunicação; b) afastamento dos sigilos fiscal, bancário, de dados e telefônico; c) busca e apreensão domiciliar; d) acesso a informações sigilosas; e) outros meios de obtenção da prova que restrinjam direitos fundamentais do investigado; XII - julgar o habeas corpus impetrado antes do oferecimento da denúncia; XIII - determinar a instauração de incidente de insanidade mental; XIV - decidir sobre o recebimento da denúncia ou queixa, nos termos do art. 399 deste Código; XV - assegurar prontamente, quando se fizer necessário, o direito outorgado ao investigado e ao seu defensor de acesso a todos os elementos informativos e provas produzidos no âmbito da investigação criminal, salvo no que concerne, estritamente, às diligências em andamento; XVI - deferir pedido de admissão de assistente técnico para acompanhar a produção da perícia; XVII - decidir sobre a homologação de acordo de não persecução penal ou os de colaboração premiada, quando formalizados durante a investigação.

Ocorre, porém, que mesmo antes da vigência da Lei que criou o juiz das garantias, o ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, em 19.12.2019, nos autos das ações diretas de inconstitucionalidades nºs 6298, 6299, 6300 e 6305, liminarmente, suspendeu a vigência das regras relativas ao juiz das garantias, até que os feitos fossem julgados pelo plenário do STF. Para Fux, em análise preliminar, a regra fere a autonomia organizacional do Poder Judiciário, pois altera a divisão e a organização de serviços judiciários de forma substancial e exige "completa reorganização da Justiça criminal do país, preponderantemente em normas de organização judiciária, sobre as quais o Poder Judiciário tem iniciativa legislativa própria". A ministra Rosa Weber, atual presidente da Corte, em boa hora, designou o próximo dia 24 (vinte e quatro) para a realização do julgamento da demanda, quando, definitivamente, a introdução do juiz das garantias, no Brasil, será consolidada ou rejeitada pelos seus ministros. Aguardemos.

Adeildo Nunes, juiz de Direito aposentado, professor, doutor e mestre em Direito, advogado criminalista e sócio do escritório Nunes & Rêgo Barros - Advogados Associados

 

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