OPINIÃO

O Brasil ainda não conhece José!

Nosso José Inácio também se superou. Voltou ao local do crime, na refinaria, e garantiu sem enrubescer: tudo que aconteceu neste país foi uma mancomunação entre alguns juízes… alguns procuradores… subordinados ao Departamento de Justiça dos Estados Unidos, que queriam e nunca aceitaram o Brasil ter uma empresa como a Petrobras.

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ERMANO MELO

Publicado em 01/02/2024 às 0:00 | Atualizado em 01/02/2024 às 7:49
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Meu tio se chamava José, mas se autointitulava Zé Vaqueiro, mesmo sem a menor intimidade com bovinos. Era o verdadeiro, não essa cópia sertaneja que ficou famosa com ritmos sem melodia e harmonia.

O legítimo tinha talento para contar histórias, e também para apreciar os efeitos do álcool, um sacerdote de Baco. Me prometeu aos 8 anos um relógio que falava submerso. Uma espécie de Apple Watch aquático. Corri e fui contar a meu pai que, prontamente, me desiludiu: meu filho, seu tio conta muitas histórias… não faz por mal, mas não acredite.

Aos 10, perante eu e meus primos, nos brindou com sua odisseia a bordo de um jato vindo de São Paulo. Em certo momento, sob forte turbulência, ele sentiu que o piloto perdera o controle e bradou: apertem os cintos e abracem Zé Vaqueiro! Em seguida, assumiu o comando e pousou em Recife sob aplausos; no fim, o prêmio: até hoje viajo pela Varig gratuitamente! Novamente, questionei meu pai, que, já irritado, replicou: meu filho, você não conhece José?

Aos 17, eu já estava esperto; no meu aniversário disse que meu presente estava vindo do Rio, mas atrasou um pouco. Eu disse: tio, relaxa, sei que não tem presente, entra e vamos curtir. Mas ele não se deu por vencido: ninguém pode chegar em uma festa sem presente, nem que seja um abstrato!

Vários anos e belas histórias após, ele me ligou: tenho umas polpas de frutas para lhe vender, são especiais, orgânicas, de Gravatá, bem melhor que essas de Recife. O preço, por óbvio, não era convidativo, mas, mesmo assim eu liguei para o meu pai. Ele explodiu: meu filho, depois de todos esses anos, você ainda não conhece José?

O Brasil também tem o seu José; para benefício do texto, o apelidei de José Inácio. Este, também tem belas histórias: certa vez eu disse em Paris, que no Brasil havia 25 milhões de crianças passando fome nas ruas […] não há alma mais honesta do que eu neste país [...]não sabia do mensalão […] vai ter picanha para todo mundo… e por aí vai.

Zé vaqueiro, certa vez, se superou. Narrou uma viagem de trem para o sertão: sentei-me ao lado de uma bela moça, acanhada, mas ela gostou aqui do "gato maracajá" (inventava termos estranhos); durante a passagem pelos túneis, tudo ficava escuro, e ele aproveitou para lhe roubar um beijo. De repente, uma surpresa: a prótese dentária da moça escapuliu para a boca do gato maracajá. A luz retornou na saída do túnel e em fração de segundos, a moça, envergonhada, já sumira.

Compadecido, desceu na próxima estação a sua procura. Logo soube que ela morava no sítio com o avô. Em cima de carroças e jumentos, trilhou 3 horas para lhe devolver os falsos dentes. Foi recebido pelo avô que, após ouvir o relato, aceitou a prótese e disse: muito obrigado, mas, na verdade, a "chapa" é minha; a emprestei à minha neta para ela ir a Recife e, sem cerimônia, a encaixou em sua velha boca desdentada.

Gargalhadas estrondosas e a certeza que falsas histórias assim só divertem, não causam mal. Nosso José Inácio também se superou. Voltou ao local do crime, na refinaria, e garantiu sem enrubescer: tudo que aconteceu neste país foi uma mancomunação entre alguns juízes… alguns procuradores… subordinados ao Departamento de Justiça dos Estados Unidos, que queriam e nunca aceitaram o Brasil ter uma empresa como a Petrobras.

Zé vaqueiro, quando estava levemente alcoolizado, dizia que estava ao molho do Pato Donald. Zé Inácio, ébrio ou sóbrio, está sempre ao molho dos Irmãos Metralha. A única semelhança são os presentes abstratos.

Ah! Comprei as polpas de Zé Vaqueiro, pois suas palavras são mais honestas do que as de Zé Inácio. E a voz de meu pai ainda ecoa: Brasil, você ainda não conhece José?

 

Ermano Melo, oftalmologista

 

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