OPINIÃO

Mozart no Céu

Conhecer a fundo a vida do autor da obra artística é indispensável. Fui percorrer em Viena os locais de morada e de exibição de Mozart, uma emoção sem precedentes

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JOÃO HUMBERTO MARTORELLI

Publicado em 22/02/2024 às 0:00 | Atualizado em 22/02/2024 às 11:30
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A obra é inextrincavelmente ligada à vida do autor. Ou se pode dizer o contrário. É difícil, quase impossível, ter-se a percepção completa de qualquer produção artística sem conhecer o artista. A infância, a vida familiar, o meio social, a educação, a vida amorosa, a inclinação política, a fortuna e as tragédias da vida são refletidas no texto literário, na música, na pintura e na escultura assim como se reproduzem os sinais genéticos. A arte puramente cerebral é uma falácia. Por mostrar o autor, temos, na pintura, as fases; ou as diversas contradições em Drummond, frio e calculista aqui, carinhoso ali, burocrata acolá e comunista de carteirinha em outro verso. São tantos os exemplos que encheriam mil páginas. Mas tudo isso é para dizer que não me conformo em ler, ouvir música ou apreciar pinturas e esculturas, entre outras formas de arte, sem investigar a fundo a vida do autor. Assim enfrento a obra, e somente assim saio dela convencido.

No carnaval, por ser amante de música clássica, troquei Alceu e Elefantes por Mozart e Beethoven, e fui conferir alguns aspectos da vida dos dois grandes músicos em Viena.

É emocionante ler o Testamento de Heilingenstadt de Beethoven - a carta deixada para os irmãos, com pungente declaração de amor à humanidade e um desesperado apelo por reconhecimento - na própria casa em que foi escrito.

Mas Viena é toda Mozart. Aliás batizado Johannes Chrysostomus Wolfgang Teophilus. Teophilus é o nome grego para o amado de Deus, e o próprio Mozart, nas suas viagens pela Itália, começou a usar o nome latino, chamando-se a si próprio de Wolfgang Amadeus. Ele, que dominava fluentemente o inglês, o francês, o italiano e o latim desde os 14 anos de idade, gostava de escrever e de brincar com essas línguas, criando rimas nas cartas, a exemplo desta transcrição em inglês: Dear Bäsle Bäsle! I did receive your much aprreciated letter better, and through it I learned thar your Whole Family is weel hell. Menino gênio e prodígio, encantou as cortes e a nobreza da época não apenas com seu virtuosismo ao piano (igualmente era um virtuoso no violino), mas também com suas composições e criatividade. E com a simplicidade e inocência dos 6 anos de idade, protagonizou a famosa anedota segundo a qual, tendo levado um tombo ao sair do piano em Hofburg, onde se exibia para o imperador, foi socorrido por ninguém menos do que Maria Antonieta, então um par de anos mais velha do que ele, a quem agradeceu propondo-lhe casamento. Uma das casas em que morou é hoje um museu (Mozarthaus), percorrer seus cômodos faz parte da investigação. Ou ver e ouvir a orquestra de câmara Mozart Ensemble tocando na Sala Terrena, seu mais famoso local de exibição. Mozart morreu aos 35 anos, logo após concluir A Flauta Mágica, deixando inacabado aquele que viria ser o próprio Réquiem. Percorrer seus locais ouvindo sua música ao menos me deixou claro porque, em Mozart no Céu, Bandeira diz que, em sua chegada, a Virgem beijou-o na testa.

 João Humberto Martorelli, advogado

 

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