OPINIÃO

Não é não virou legislação

Consentimento é a palavra de ordem. Abordagens indevidas são importunação sexual e não cabem mais.

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ISABELA LESSA RIBEIRO

Publicado em 01/03/2024 às 0:00 | Atualizado em 01/03/2024 às 14:53
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Não é não. E depois do não, tudo é importunação sexual! O que deveria ser óbvio - a obrigação do respeito à vontade e aos corpos das mulheres – mas, toda mulher sabe que não é. Agora, vem regulamentado em três leis específicas: Lei 14.786/2023 – plano federal; Lei 18.470/2020 – estado de Pernambuco e, em Recife, temos o Protocolo Violeta - Lei 19.061/2023.
Todas essas leis visam criar protocolos que permitam ambientes de lazer mais seguros para as mulheres e que possamos sair sem sermos importunadas sexualmente. As legislações existentes, nos três níveis de governo, tornam obrigatórias medidas a serem tomadas pelos estabelecimentos privados para garantir que possamos nos divertir sem medo.
Os estabelecimentos abrangidos pelas leis variam, sendo em Pernambuco o alcance mais amplo. Além dos lugares já previstos no Protocolo Violeta, como bares, restaurantes, hotéis, motéis, casas noturnas e academias de ginástica, abarca ainda eventos esportivos profissionais e outros espaços destinados a realização de eventos festivos e de lazer com grande aglomeração de pessoas. Neste ponto, a lei federal é a mais tímida, pois prevê a implementação para casas noturnas e boates, em espetáculos musicais realizados em locais fechados e em shows, com venda de bebida alcoólica. Além de merecer reproche pela exclusão expressa de aplicação da lei a cultos ou eventos de natureza religiosa - como se mulheres não pudessem ser violadas em ambientes religiosos.
De comum e relevante, as leis trazem a necessidade de ações de prevenção e capacitação, além de acolhimento à pessoa em situação de violência.
É louvável o reconhecimento da necessidade de articulação de esforços públicos e privados para o enfrentamento do constrangimento e da violência contra a mulher, sobretudo, quando as queixas acerca da vulnerabilidade feminina são muitas vezes vistas como mi-mi-mi, em nossa sociedade estruturalmente machista.
Tornar efetiva a igualdade de gênero (constitucionalmente assegurada como direito fundamental), é missão árdua e lenta, mas as leis em comento vivificam uma evolução paulatina na proteção dos direitos das mulheres e merecem visibilidade máxima, principalmente por todas reconhecerem a importância da educação na construção dessa mudança.
Há um grande desafio para que as leis sejam cumpridas, incluindo capacitação e sensibilização. Desafio ainda de ensinar o acolhimento em uma sociedade acostumada a questionar a mulher seja pela roupa, seja pelo o que bebeu ou mesmo qual motivo que ela deu. Como se a mulher quisesse se tornar sempre uma vítima.
Para isso tudo, acolher e evitar a revitimização exigirá treinamentos tanto dos funcionários dos estabelecimentos como dos servidores públicos, pois muitas vezes o caminho a ser percorrido desestimula a denúncia. Além disso, os estabelecimentos têm o dever de contribuir com as provas que podem ser necessárias para a punição. E em Pernambuco, os estabelecimentos que descumprirem a lei poderão ser punidos com advertência do órgão competente ou aplicação de multa entre R$ 1.000,00 (mil reais) e R$ 5.000 (cinco mil reais).

Consentimento é a palavra de ordem. Abordagens indevidas são importunação sexual e não cabem mais. Focar em atender, dar apoio e proteger a vítima, em um país em que a cada dois minutos, segundo a última pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), uma mulher é estuprada, e que ao denunciarem são revitimizadas e culpabilizadas, e, para além disso, discutir consentimento, é um grande avanço democrático.

Isabela Lessa Ribeiro, coordenadora do curso de Direito da Faculdade Nova Roma, advogada, presidenta da Comissão da Mulher Advogada da OAB-PE

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