OPINIÃO

E se Napoleão tivesse vindo ?

Qual teria sido o futuro da Revolução Pernambucana se aquele delírio de Cruz Cabugá, que contou com o apoio de dois importantes oficiais napoleônicos, o coronel Paul Albert-Marie de Latapie e o conde Ponlécoulant, tivesse se concretizado e Napoleão assumido o comando das tropas da República pernambucana?

Imagem do autor
Cadastrado por

Sérgio Buarque

Publicado em 06/03/2024 às 6:00 | Atualizado em 06/03/2024 às 9:23
Notícia
X

Na conspiração que levou à Revolução Pernambucana, Cruz Cabugá, um dos líderes revolucionários, foi a Baltimore, nos Estados Unidos, negociar o apoio de oficiais do antigo exército de Napoleão que, a esta altura, estava exilado na ilha de Santa Helena, na costa ocidental da África. Conceberam um plano ousado: resgatar o ex-Imperador francês do seu exílio e trazê-lo para o Recife, de modo que pudesse assumir o comando militar da revolução em Pernambuco. O plano fracassou, Napoleão nunca soube das negociações dos seus oficiais, talvez tivesse gostado da ideia de vingar-se de D. João VI, que o enganou e fugiu de Portugal antes que suas tropas entrasse no território português. Teria mesmo adorado se tivesse escapado da ilha de Santa Helena, onde terminou morrendo, quatro anos depois, na solidão e isolamento do exílio, longe da França e dos campos de batalha. Napoleão preferia voltar para o seu império francês, mas ficaria tentado. "Esse gordo, de novo na minha vida".

Neste 6 de março de 2024, Pernambuco comemora 207 anos do levante que tomou o poder, rompeu com a coroa portuguesa instalada no Rio de Janeiro e implantou a República pernambucana. Os sublevados ocuparam o governo e todas as instalações importantes, principalmente o Tesouro da Província, instalaram um governo provisório e proclamaram a República. Inspirados nas ideias iluministas e nos princípios da maçonaria, a Revolução Pernambucana repudiou a monarquia absolutista e rompeu com o reino português-brasileiro de D. João VI. Instalado um governo provisório, decretou, de imediato, a liberdade de imprensa, a redução de impostos, a eliminação dos títulos de nobreza e a liberdade religiosa. Apesar da inspirações no iluminismo, a revolução pernambucana não acabou com o escravagismo, que era a base da economia canavieira e o poder dos senhores de engenho.

A revolução durou pouco mais de dois meses e foi esmagada pelas tropas portuguesas do reino de Portugal, Brasil e Algarve. Mas, e se Napoleão tivesse vindo para o Recife e, com seus experientes oficiais, assumido o comando militar da Revolução Pernambucana? De imediato, teria provocado o pânico de D. João VI, "lá vem, de novo, Napoleão atrás de mim, nove anos depois da minha fuga", e despertado grande euforia nos revolucionários pernambucanos. Uma virada psicológica na guerra que se anunciava com o cerco ao Recife pelas tropas do Reino. O imperador traria seus experientes oficiais para treinar a tropa e formar um exército republicano e estudaria a geografia e a topografia, morros e mangues que poderiam ser aliados nos combates, analisaria documentos e crônicas de antigos combates na região e conversaria bastante com militares pernambucanos e mateiros para definir a estratégia e organizar a defesa.

Para desgosto dos senhores de engenho, que apoiavam a revolução, Napoleão provavelmente decretaria o fim da escravidão, pelo menos para os negros que aceitassem integrar o exército, concedendo alforria para todo escravo de 18 a 25 anos que alistasse, fortalecendo o poder militar do jovem e periclitante república. Ganhava soldados e criava um ambiente social mobilizador da população e a adesão de outras capitanias e a simpatia internacional. Poderia ter pensado: "Eu lutei na Europa para acabar com a servidão. E não vou agora construir uma nação nos trópicos baseada na escravidão". Além disso, eliminando o escravagismo na jovem república pernambucana conquistaria a simpatia dos Estados Unidos (tinham eliminado o escravagismo em 1803), e da Inglaterra que proibia o tráfico de escravos desde 1863.

Qual teria sido o futuro da Revolução Pernambucana se aquele delírio de Cruz Cabugá, que contou com o apoio de dois importantes oficiais napoleônicos, o coronel Paul Albert-Marie de Latapie e o conde Ponlécoulant, tivesse se concretizado e Napoleão assumido o comando das tropas da República pernambucana? A resposta é possível apenas como ficção histórica: o que poderia ter sido e não foi? Mas, uma coisa é quase certa, o grande Napoleão Bonaparte teria se apaixonado por uma mulata pernambucana e desistido de voltar para França, esquecia a imperatriz Maria Luiza e se casaria com a pernambucana na pequena igreja no Parque da Jaqueira, onde também se casaram o revolucionário Domingos José Martins e Maria Teodora da Costa.

Sérgio Buarque, economista

 

Tags

Autor