OPINIÃO

Eventos que resistem aos ventos

Não se pense e não se diga que todo evento dura apenas o espocar de fogos, perdendo-se no tempo e no espaço

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ROBERTO PEREIRA

Publicado em 24/03/2024 às 0:00 | Atualizado em 24/03/2024 às 16:59
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Que há um caráter efêmero nas animações artístico-culturais, disso ninguém duvida. Mas, em cada qual, no seu bojo, quase sempre, em proporção maior ou menor, se agasalha uma pedagogia que não pode ser descurada.

As festas de ruas, as profanas que transcendem as portas das igrejas, os festivais de verão e os de Inverno, têm o seu aspecto educacional. Quando nada, dão pelo estreitamento dos laços de convivência, pela sociabilização do povo que, não sendo triste, é vocacionado sobretudo para os acontecimentos de grande poder de aglutinação.

Os shows, sobretudo os realizados a céu aberto, geram, além da alegria, da espontaneidade da dança e do canto, os benefícios sociais, tais como: empregos diretos e indiretos, turismo, restaurantes, hotéis e pousadas, o vendedor de coco e a tapioqueira, os salões de beleza, as vestimentas, as cervejas, os refrigerantes e as águas de beber, enfim, a catraca da economia que gira maior ou menor conforme o público atraído pelos cantores e músicos, que sobem ao palco montado à consecução do espetáculo.

Em 1987, a Fundação de Cultura Cidade do Recife e a TV Jornal promoveram o I Encontro de Maracatus e, qual o êxito alcançado, uma televisão inglesa, despertado o seu interesse, passou vários dias filmando e pesquisando o Maracatu Nação Porto Rico, maracatu de baque virado, bem característico do nosso carnaval, estudado como folguedo criado pelos negros brasileiros e, na sua origem, como os demais, pela religiosidade na festividade católica de Reis Negros, além da sua música e dança características da cultura africana e do culto afro-brasileiro.

Pois bem, no mesmo ano, defronte da Igreja Rosário dos Pretos, sem alardes promocionais, ocorreu o ato de batismo das novas princesas do Maracatu Nação Porto Rico, Flaviana Chacon, que tomou como padrinhos os carnavalescos Antônio Francisco de Souza e Isolda Pedrosa, e Sebastiana Dutra da Silva, apadrinhada por mim e pela saudosa professora Sônia Medeiros, tudo sob a bênção do padre Antônio Barbosa Júnior, primo do inesquecível Chacrinha, que, após tiradas de humor fino, enfocou a realidade brasileira, sua miscigenação e todo o processo de aculturação do nosso povo.

Após o toque do Maracatu Porto Rico, comandado pela rainha Elda Viana, tudo sob os refletores da televisão londrina, vi que houve o resgate público da religiosidade nas manifestações profanas, e que esse misticismo, longe de ferir os dogmas do catolicismo, ajuda a fé numa cultura que remonta às nossas raízes, ao nosso sincretismo religioso. Recebi, há alguns anos, de um ex-aluno, um vídeo de um programa da BBC de Londres, no qual passava a cerimônia acima descrita. Revi, com emoção, os momentos desse batismo, olhando as pessoas esplendendo os rostos jovens da mocidade ainda em flor, mas em despedida dos verdes anos.

A Noite dos Tambores Silenciosos, às segundas-feiras de carnaval, sempre no Pátio do Terço, é um evento de muita fé, de loas aos espíritos e, assim, de muita atratividade aos turistas que por aqui desembarcam.

Um outro evento que me encheu as medidas foi a Feira de Ecologia realizada, na década de 1990, na Lagoa do Araçá, promoção da Associação de Amigos e que resultou num clamor à preservação daquele espaço-água tão repousante aos espíritos, quanto relevante ao equilíbrio da cidade.

Na ocasião, usei da palavra, gritando o silêncio da serenidade das águas paradas, conclamando o mundo para aquele relicário da natureza, por seus fluxos e refluxos, certo de que, por falas e gestos, ações e campanhas, eventos que, resistindo aos ventos, educam homens e preservam a vida.

Roberto Pereira, ex-secretário de Educação e Cultura de Pernambuco e membro da Academia Brasileira de Eventos e Turismo.

 

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