Celebramos em 2024 o bicentenário da Confederação do Equador. Trata-se de um movimento republicano iniciado no Recife em 2 de julho de 1824 com uma proclamação do presidente da província, Manuel de Carvalho Paes de Andrade. Umas das principais motivações da insurgência foi o autoritarismo do imperador Pedro I. O monarca ordenou o fechamento da primeira Assembleia Constituinte (12/11/1823) e impôs uma Constituição (25/03/1824). A carta outorgada estabelecia um quarto poder, o Moderador, colocando, na prática, o imperador acima dos três outros poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário). Isso feria gravemente o sistema constitucional de freios e contrabalanço dos poderes. O movimento pernambucano contou com a adesão de outras províncias, com destaque para o Ceará, onde as tropas confederadas foram definitivamente derrotadas em 29 de novembro de 1824, ocasião em que se deu a prisão de Frei Caneca, o principal mentor intelectual da Confederação.
Ao contrário do que afirmou a historiografia oficial do Império do Brasil, a Confederação do Equador não se configurou como um levante separatista, uma vez que estendeu seu chamado a todas as províncias do país. Os movimentos libertários de Pernambuco do início do século XIX foram sempre secundarizados e até mesmo desqualificados pela historiografia produzida no eixo centro-sul do país, tornando-se, por isso, desconhecidos da maioria dos brasileiros, inclusive em nosso estado. Não é diferente com a Confederação do Equador. Portanto, assim como ocorreu durante o bicentenário da Revolução de 1817, é fundamental que a efeméride deste ano enseje um amplo debate público, mormente porque muitos dos problemas surgidos durante a formação do Estado nacional brasileiro ou herdados do período colonial, continuam sobre a mesa e sem solução. Para começo de conversa é importante explicar por que o movimento de 1824 se chama Confederação do Equador.
O termo "confederação" remetia ao arranjo político-administrativo proposto pelo movimento para o Brasil. Ao invés do Estado centralizado preconizado na Constituição imposta pelo imperador, propunha-se que as províncias que integravam o país tivessem sua autonomia garantida por uma Constituição livremente elaborada por seus representantes parlamentares. Evaldo Cabral de Mello alerta para o fato de que, ao tempo da Independência do Brasil, os termos "federação" e "confederação" eram empregados de forma imprecisa, às vezes como sinônimos e eventualmente relacionados com a ideia de república e democracia. O Dicionário de Política de Noberto Bobbio situa com precisão a diferença entre "confederação" e "federação". O primeiro termo refere-se a uma forma de associação entre Estados soberanos que pactuam entre si a existência de um órgão de poder com representantes de cada um deles para tomar decisões de interesse comum. Numa federação, por outro lado, os laços de união são mais fortes. Os membros de uma federação se colocam sob "um centro superior de decisão política" que lhes retira a soberania, mas é obrigado a respeitar-lhe a autonomia. A questão do respeito a autonomia das províncias do Império era um tema quente no momento da formação do Estado nacional brasileiro e não por acaso foi uma das principais razões para a eclosão do movimento de 1824.
O termo "Equador" não tem nenhuma relação com o atual país sul-americano. Ele só se constituiu como República do Equador em 1830, quando do colapso da Grã-Colômbia, país idealizado por Simon Bolívar nas lutas pela independência contra a Espanha e que deu origem também a Venezuela e a Colômbia. No caso da Confederação proclamada em Pernambuco, o termo Equador nos remete ao norte, ou seja, à porção territorial do Brasil mais próxima da linha do Equador, a linha paralela imaginária que divide o planeta em dois hemisférios. Os confederados de 1824 apelaram à geografia para evidenciar sua oposição ao sul, ou seja, ao desenho de Estado brasileiro que se esboçava em algumas províncias do sul, convergindo para a centralidade da corte do Rio de Janeiro. Importante salientar que a atual divisão regional do Brasil (Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul) é de 1969, e que durante a maior parte da história do país, tudo o que estava da Bahia para cima era chamado de "norte" em oposição ao "sul" situado da Bahia para baixo. Essa divisão norte/sul aparece, por exemplo, em várias das canções icônicas gravadas por Luiz Gonzaga.
A Confederação do Equador, portanto, se colocou como uma alternativa para a construção de um país republicano e regido por uma Constituição escrita por uma Assembleia soberana composta pelos representantes eleitos por cada província. O Estado brasileiro deveria assumir as decisões de interesse comum às províncias, mas respeitar sua autonomia de gestão, especialmente na questões financeiras e fiscais. A monarquia findou em 1889 e, com a República, o Brasil passou a ser um país federativo. No entanto, alguns aspectos problemáticos das relações entre poder central e estados/municípios continuam sem solução, assim como seguem por resolver várias questões relativas ao desequilíbrio regional potencializado pela excessiva centralização imperial. Essa seria, por si só, uma forte razão para rememorar o que se passou em Pernambuco em 1824. Mas, como veremos ao longo do ano, há muitas outras motivações para conhecer ou revisitar a história da Confederação do Equador por ocasião de seu bicentenário.
George Cabral, doutor em História pela Universidade de Salamanca., professor da UFPE. membro efetivo do IAHGP e da APL.