Para que uma questão entre na agenda de políticas públicas de um governo, é necessário que ela seja enxergada como prioritária para segmentos da sociedade. Entre tantas pautas que nunca foram efetivamente debatidas e enfrentadas ao longo da nossa história, os direitos dos povos originários passaram a ganhar relevância como pauta política, a partir da ampliação do entendimento sobre o significado dessa população para a formação da nossa identidade.
Ao propor a mudança do “Dia do Índio” para “Dia dos Povos Indígenas”, o Congresso Nacional, por meio da Lei 14.402, de julho de 2022, contribuiu para que as pessoas compreendam a questão, para além dos seus aspectos linguísticos. Aliás, o incômodo com a linguagem é sempre um sinal de que existem novas perspectivas pelas quais se enxergam os processos sociais. Como nos mostra Pierre Bordieu, a linguagem expressa as relações de poder dentro de um contexto sociopolítico.
Renomear a data foi um ato simbólico para reconhecer o direito desses povos de, mantendo e fortalecendo suas identidades, línguas e religiões, assumir o controle de suas próprias instituições e formas de vida, assim como definir de que maneira nortearão o seu desenvolvimento econômico. A quase ausência de políticas públicas específicas para os povos originários é um reflexo de uma falha sistêmica no reconhecimento de sua importância e direitos. A história do Brasil é marcada por séculos de exploração e marginalização dessas comunidades, deixando cicatrizes profundas que persistem até os dias atuais.
Até a década de 1970, havia a crença de que seria inevitável o desaparecimento dos povos indígenas no Brasil. Porém, a partir dos anos 1980, percebeu-se uma tendência de reversão da curva demográfica, com o crescimento da população indígena de forma constante, ainda que povos específicos, de fato, estejam ameaçados de extinção. Dados do Censo 2022 registram que nosso país tem 1,7 milhão de indígenas, o que representa 0,83% do total de habitantes. Grande parte dos indígenas do país (44,48%) está concentrada no Norte, com 753.357 indígenas vivendo na região. Em seguida está o Nordeste, com 528,8 mil, concentrando 31,22% do total do país. Juntas, as duas regiões respondem por 75,71% desse total.
Os desafios para desenhar de forma adequada políticas públicas para essa população são imensos: vão desde a demarcação de terras, até o acesso a direitos fundamentais, como saúde e educação. A violência também é uma questão crucial. De acordo com relatório divulgado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a violência contra os povos indígenas aumentou de forma sistêmica, desde 2019, incluindo questões como racismo, expropriação de terras indígenas e omissão do poder público.
Diante desse panorama, é imperativo que o Brasil adote uma abordagem mais inclusiva e respeitosa em relação aos povos indígenas. Isso requer a implementação de políticas públicas que promovam a autonomia, o reconhecimento cultural e territorial, além do fortalecimento das instituições e lideranças indígenas. É preciso garantir a participação efetiva dessas comunidades nas decisões que afetam suas vidas e territórios.
O alento é que também podemos registrar avanços na visibilidade da causa dos povos originários. Diversas iniciativas reforçam que essa agenda é atual e prioritária. No início deste mês de abril, o Sebrae Pernambuco, em parceria com a Associação Municipalista de Pernambuco, realizou o primeiro Ideathon Origens, no território do povo Pankará, em Carnaubeira da Penha, com estudantes de comunidades indígenas. O projeto prevê a realização de uma maratona de ideias, com oficinas, em que os estudantes são provocados a trabalhar em equipe, para desenvolver soluções inovadoras e aplicáveis para desafios específicos das suas comunidades. As ideias desenvolvidas pelos alunos foram apresentadas para a banca avaliadora responsável pela escolha das melhores soluções. Elas trataram de temas como: preservação das tradições culturais dos povos originários; proteção dos territórios indígenas; estratégias para geração de emprego e renda a partir do turismo ecológico; resgate e preservação de línguas tradicionais; e compartilhamento de conhecimentos sobre a utilização de plantas medicinais. As três instituições de ensino vencedoras foram premiadas com cinco computadores doados pelo Instituto Inovação e Economia Circular (IEC/Recife), através do programa Computadores para Inclusão, do Governo Federal.
A transformação de uma sociedade é sempre processual. A pauta dos povos indígenas não é mais uma causa minoritária, e sim um vetor para que o Brasil ingresse, definitivamente, na agenda do século XXI, da inclusão, da sustentabilidade e da harmonia com suas origens.
*Priscila Lapa, jornalista e doutora em Ciência Política; Sandro Prado, economista e mestre em Administração.