Sobre a Academia, os acadêmicos e o vetusto
Academias como a ABL ou a nossa APL reconhecem o vigor de nossas heranças culturais e as repõem em circulação, em ocasiões apreciadas pelo grande público
É um lugar-comum da vida cultural se denunciar que academias de letras elegem, para seus quadros, membros que não extrapolam os perímetros da mediocridade. Há, inclusive, quem exponha a tese de modo irrefutável, ao se revelar como um preclaro exemplo do fenômeno.
De fato, não se trata nem de impostura e nem, sequer, de novidade: em qualquer associação – seja ela de ciências, artes, letras ou de futebol –, sempre haverá os que se destacam por emitirem uma luz própria quanto os que precisam do brilho da casa que habitam para atenuarem a própria carência de relevo.
O que surpreende mesmo, no artigo “Chiquinha Gonzaga na APL”, assinado por um componente da Academia Pernambucana de Letras, o Sr. Arthur Carvalho, é – talvez por ter descoberto na semana passada a importância de Chiquinha Gonzaga, Paulo Molin ou Catulo da Paixão Cearense – o jornalista supor que seus confrades esperem até os últimos quadrantes de uma vida para degustar semelhante caldo cultural.
Academias como a ABL ou a nossa APL reconhecem o vigor de nossas heranças culturais e as repõem em circulação, em ocasiões apreciadas pelo grande público. Do mesmo modo, estão buscando a saudável confluência entre a tradição e o novo, requisitada por gente do quilate de Ezra Pound ou Mário Faustino – para ficarmos apenas com dois nomes de proeminêcia, em diferentes latitudes.
Se o acadêmico fosse mais ativo no sodalício a que pertence, frequentando-o com mais regularidade, talvez já tivesse notado a quantidade de eventos que se têm desenvolvido na Instituição: nesses momentos, veem-se pessoas de todas as idades – dentre as quais se constatam estudantes da educação básica, atuando como efetivos e entusiasmados protagonistas.
Com ações dessa ordem, a Academia Pernambucana de Letras reúne, como num jogo de polias, as forças do novo e do antigo, de forma que valores consolidados sejam transmitidos e a reoxigenação não os deixe anquilosar na lama da inércia. Por esse mesmo motivo, entretanto, os intelectuais da Casa, de modo responsável, não cedem à ideia pueril de que, para se conduzir um veículo se deva olhar apenas adiante, negligenciando a urgência dos retrovisores.
Por atitudes como prestigiar os inexcedíveis ensaios de Montaigne, a APL – sob a citação nominal de seu presidente, o admirável professor Lourival Holanda – recebeu a pecha de “vetusta”. Cabe aqui, então, uma breve indagação de cariz semântico: o notável escritor pensa tal adjetivo do ponto de vista da cronologia ou da vitalidade literária de um autor?
Se ele apostar na primeira opção, Michel de Montaigne, evidentemente, é uma voz mais do que antiga. Mas escolher essa vereda significaria eliminar a evocação de Machado de Assis, Carneiro Vilela, Júlia Lopes de Almeida, Luís Vaz de Camões, Maria Firmina dos Reis et al. Naturalmente, o simples esforço de refutar esse absurdo – que supõe alijamento de memória e da identidade – já se mostra bem constrangedor.
Por outro lado, considerando que o Sr. Arthur Carvalho pensou o termo “vetusto” sob o ângulo do vigor das ideias que um autor pode exprimir, então devemos dizer que o equívoco é também – e lamentavelmente – flagrante: os textos de Montaigne, inteiramente em sintonia com as demandas contemporâneas, se apresentam com notável juventude em pleno século XXI – o que certamente o signatário do artigo atestará, quando se dispuser a ler algum ensaio mais curto, que não lhe exija maior diligência intelectual.
Em todo caso, o fato inegável é que, por qualquer dos dois critérios elencados – tempo físico ou vigor das ideias –, o nosso caro jornalista se revelaria absolutamente vetusto. Por essa razão, e em nome da causa que ele mesmo advoga, o congregado poderia abdicar da própria vaga, tornando, com esse gesto, a Academia Pernambucana de Letras um pouco mais jovem, atuante e promissora.
Peron Rios, da Academia Pernambucana de Letras