OPINIÃO

Colaboração premiada e os seus desafios

Durante a Operação Lava-Jato, foram incontáveis o número de decretos de prisão preventiva para coagir os então só acusados de crime..

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Adeildo Nunes

Publicado em 14/06/2024 às 0:00 | Atualizado em 14/06/2024 às 15:00
Notícia

A colaboração ou delação premiada surgiu nos Estados Unidos da América, finda a Segunda Guerra Mundial, com a finalidade de combater o crime organizado, considerando as enormes dificuldades para investigar e criminalizar membros de organizações criminosas, particularmente no que tange ao tráfico de drogas e aos crimes contra a ordem financeira. Com a ascensão das máfias, nos anos 70 (setenta) do século passado, o Parlamento italiano aprovou uma lei criando, também, a sua delação premiada, que desde então vem reduzindo a formação de novas organizações delituosas. O Brasil, com a Lei Federal nº 12.850, de 2013, introduziu em nosso ordenamento jurídico o instituto da colaboração premiada, certamente uma das melhores legislações na esfera penal, de todos os tempos, e que trouxe e traz bons resultados para a apuração e para a punição dos muitos associados à prática de ilícitos penais.

Por colaboração premiada entende-se o acordo escrito e voluntário, realizado entre um delator e a Polícia Investigativa (Federal ou Civil dos Estados) ou com o Ministério Público, em que o colaborador se compromete a oferecer informações verídicas que possam servir como meio de prova para a elucidação dos ilícitos penais cometidos, com a identificação dos demais coautores e partícipes, e a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização. O colaborador, obrigatoriamente, há de comprovar o seu vínculo com a associação criminosa, mas o pacto só terá validade jurídica se formalizado com a participação de defensor público ou privado.

Para ser definida como organização criminosa, há extrema necessidade que reste comprovada a associação de 4 (quatro) ou mais pessoas, penalmente responsáveis, cuja formação e prática tenham o objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, e desde que as infrações penais cometidas estabeleçam pena superior a 4 (quatro) anos de prisão. O acordo, entretanto, só terá eficácia jurídica depois de homologado pela autoridade judiciária competente, que analisará, tão somente, se as declarações do colaborador foram ou não adotadas de forma espontânea, sendo prudente, ainda, que o Juiz observe se o delator se viu acompanhado de defensor durante as tratativas e na oportunidade da sua celebração. Sabe-se, porém, que o magistrado não pode interferir ou opinar sobre o seu conteúdo, e nem tampouco participar das negociações realizadas entre a defesa do delator e as autoridades públicas. Analisar, também, se o ato jurídico foi perfeito, é outra prerrogativa do magistrado ou tribunal, que deve ser sempre observada.

O acordo de colaboração, por outro lado, pode ser celebrado antes ou durante a investigação criminal, na fase do processo penal e até estando o colaborador já cumprindo qualquer sanção penal, mas o seu inteiro teor poderá ser revogado, a qualquer momento pelo Juiz, mormente quando restar comprovada a inveracidade nas declarações do delator. Vale lembrar, outrossim, que o acordo celebrado deve ser mantido em sigilo absoluto, pois a sua confidencialidade será sempre oportuna, no afã de não comprometer as investigações que tiveram como base o conteúdo do acordo firmado. Somente após o recebimento da denúncia, pelo Juiz, os termos do acordo poderão ser divulgados, mesmo assim através de autorização judicial, segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça.

Homologado o acordo pela autoridade judiciária, comprovando-se a posteriori que as informações voluntárias prestadas pelo delator serviram de base para que as autoridades públicas (Ministério Público ou Polícia Judiciária) atingissem os seus objetivos (autoria e prova da existência do crime), o Juiz Criminal poderá conceder ao delator o perdão total, reduzir a sua pena em até 2/3 (dois terços) ou substituir a pena privativa de liberdade por restritiva de direitos, observando, sempre, se o tipo de prêmio foi previamente estipulado no acordo de delação.

Hoje, a colaboração premiada pode ser celebrada estando o delator preso ou em liberdade, não importa. Contudo, existe Projeto de lei em tramitação na Câmara dos Deputados, prestes a ser votado, estabelecendo a proibição do uso da colaboração, estando o delator preso. De fato, durante a Operação Lava-Jato, foram incontáveis o número de decretos de prisão preventiva com o intuito de coagir os reclusos a celebrarem os acordos de colaboração, sendo certo que mesmo trazendo bons resultados, hoje são tidos como sinônimo de abuso de poder.

Adeildo Nunes, juiz de direito aposentado, professor e coordenador da pós-graduação da Faculdade Damas do Recife. Doutor e Mestre em Direito de Execução Penal.

 

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