OPINIÃO

O Brasil pode aprender com o Brasil

Começo pelo título deste artigo, frase que costumo usar com alguma frequência. Ela não é minha, mas do amigo Ricardo Paes de Barros.

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MOZART NEVES RAMOS

Publicado em 17/06/2024 às 0:00 | Atualizado em 17/06/2024 às 11:57
Notícia

No último artigo desta coluna no JC, falei do desastre do aprendizado da matemática no Brasil, face aos números dos resultados de avaliações nacionais e internacionais. O objetivo era chamar não só a atenção dos responsáveis pela oferta do ensino público, mas também da própria sociedade. E penso que, em parte, esse objetivo foi alcançado. Mas concluí aquele artigo dizendo que, no próximo, apontaria alguns caminhos para reverter esse grave quadro do ensino e da aprendizagem da matemática no Brasil.

Começo pelo título deste artigo, frase que costumo usar com alguma frequência. Ela não é minha, mas ouvi pela primeira vez do meu dileto amigo e economista Ricardo Paes de Barros, quando trabalhávamos no Instituto Ayrton Senna. Sim, mesmo no caso da matemática, o Brasil tem alguns exemplos de escolas e de redes públicas de ensino com bons resultados, que podem servir de bússola para essa mudança. Vejamos alguns deles, considerando dados de 2019, antes da pandemia. Um ponto importante: quando saímos dos anos iniciais do Ensino Fundamental (EF), entramos nos anos finais e chegamos finalmente no Ensino Médio, parece que tudo aquilo que foi aprendido lá no início vai se derretendo como gelo. Outro aspecto: às vezes, a rede municipal vai muito bem, mas não a rede estadual, ou vice-versa. A pergunta é: por que não colaboram entre si?

A capital do estado do Piauí, Teresina, pode ilustrar muito bem o que acabamos de falar. Ao final do 5° ano do EF, 82 de cada 100 alunos da rede municipal de ensino aprenderam o que seria esperado em matemática, o que é fantástico! Mas entre os alunos que estudam em escolas da rede estadual, apenas 49 apresentaram esse mesmo desempenho.

Vamos agora ao exemplo do "gelo que derrete": ao final do 9° ano do EF, apenas 51 de cada 100 alunos da rede municipal de Teresina aprenderam o que seria esperado em matemática, o que no início do ciclo era 82! E, ao final do Ensino Médio, apenas 5! Na prática, ao longo do percurso, os alunos vão acumulando déficits de aprendizagens que impossibilitam o aprendizado esperado nos anos seguintes.

Não existe uma solução única ou uma bala de prata para resolver o problema da matemática no Brasil. Mas não hesito em afirmar que a solução passa necessariamente pela formação de nossos professores, tanto a inicial (quando saem das universidades) como a continuada (ao longo do percurso profissional). Precisamos de melhores professores, mais bem formados e preparados para trabalhar numa escola pública, que sejam capazes não apenas de dominar os conteúdos, mas de saber como ensiná-los. Precisamos atrair mais jovens para o magistério na área da matemática - há, de longas datas, uma escassez de jovens interessados pelo ensino desta disciplina. É preciso criar um programa de atratividade. Precisamos convocar os (poucos, mas existentes) professores talentosos para formar nossos professores. Em geral, aqueles que estão nas universidades estão muito distantes da prática da sala de aula das escolas públicas.

Como disse, o Brasil pode aprender com o Brasil. Quero terminar com outros bons exemplos. Fui buscar no site QEdu.org.br, em dados de 2019, escolas municipais (EM) de Pernambuco com mais de 70% de alunos com aprendizado adequado em matemática ao final do 5° ano do EF, que são representadas neste site pela cor verde. Infelizmente, são pouquíssimas nessa situação. Em Recife, na rede municipal, por exemplo, não encontrei nenhuma. A melhor é a EM Lagoa Encantada, com 68%. Mas aqui rendo a minha homenagem às escolas municipais Manoel Limeira, em Caruaru, Jacob Ferreira, em Petrolina, e Josefa Batista da Silva, em Jaboatão dos Guararapes, com respectivamente 92%, 81% e 75% de alunos com aprendizado adequado ao final do 5° ano do EF. Precisamos aprender com elas.

Mozart Neves Ramos é titular da Cátedra Sérgio Henrique Ferreira da USP de Ribeirão Preto e professor emérito da UFPE.

 

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