Opinião

PRISCILA LAPA: Três décadas de Real, o plano econômico que mudou o Brasil

O país, ao final da ditadura, encontrava-se em situação econômica e política extremamente frágil, com desequilíbrios macroeconômicos significativos

Publicado em 30/06/2024 às 17:14
Notícia

A década de 1980, “a década perdida", foi marcada por uma série de crises econômicas no Brasil. A inflação galopante, a estagnação econômica e a dívida externa crescente foram características desse período. O país, ao final da ditadura militar em 1985, encontrava-se em uma situação econômica e política extremamente frágil, com desequilíbrios macroeconômicos significativos. Naquele período, a dívida externa crescia exponencialmente, enquanto a inflação se tornou uma constante ameaça, em um contexto político de transição para uma democracia ainda frágil e instável.

A história do Brasil deste período apresenta nuances importantes sobre a relação entre política e economia. As eleições presidenciais de 1989 foram um marco, representando a primeira eleição direta para presidente desde a década de 1960. Fernando Collor de Mello venceu a disputa, com um discurso de combate à inflação e modernização da economia, como pilares principais da nova era que se iniciava. No entanto, seu governo enfrentou inúmeros escândalos de corrupção e crises econômicas, culminando em seu impeachment, em 1992. Itamar Franco assumiu a presidência e iniciou um novo capítulo na política econômica do país, culminando com a criação do Plano Real.

Antes do Plano Real, diversos planos econômicos foram implementados com o objetivo de controlar a inflação e estabilizar a economia, mas todos falharam em alcançar resultados duradouros. O Plano Cruzado (1986), implementado durante o governo de José Sarney, introduziu uma nova moeda, o Cruzado, e congelou preços e salários. Inicialmente, houve um controle temporário da inflação, mas a falta de controle fiscal e a pressão inflacionária resultaram no fracasso do plano.

O Plano Bresser (1987), proposto pelo ministro Luiz Carlos Bresser Pereira, envolvia um novo congelamento de preços e medidas de ajuste fiscal. Porém, a hiperinflação persistiu. O Plano Verão (1989), introduzido pelo ministro Maílson da Nóbrega, envolveu outra mudança de moeda, para o Cruzado Novo, e um novo congelamento de preços. A inflação foi temporariamente controlada, mas logo voltou a crescer. O Plano Collor (1990), implementado por Fernando Collor de Mello, foi radical ao confiscar a poupança e outros ativos financeiros. A medida foi extremamente impopular e ineficaz, resultando em mais instabilidade econômica.

O Plano Real, lançado em 1994 durante o governo de Itamar Franco e sob a liderança do então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso, foi um conjunto de medidas econômicas que visavam estabilizar a economia e controlar a hiperinflação. O plano foi implementado em três etapas principais: medidas de ajuste fiscal, que incluíam cortes nos gastos públicos e reformas tributárias para equilibrar as contas do governo; criação da Unidade Real de Valor (URV), uma unidade de conta que ajustava os preços diariamente, preparando o terreno para a nova moeda; e a introdução do Real, em 1º de julho de 1994, substituindo o Cruzeiro Real. A taxa de câmbio foi inicialmente fixada, o Real valorizado, ajudando a estabilizar os preços. A nova moeda rapidamente ganhou a confiança da população e do mercado.

O Plano Real teve um impacto profundo na economia brasileira, conseguindo controlar a hiperinflação e estabilizar a economia. Os principais efeitos a longo prazo incluem a estabilização da moeda, com a introdução do Real; as medidas de controle fiscal, que reduziram drasticamente a inflação; o crescimento econômico, pois a estabilização criou um ambiente favorável ao investimento e ao desenvolvimento econômico; e a redução da pobreza, uma vez que a inflação elevada afeta desproporcionalmente os mais pobres.

O sucesso do Plano Real teve um impacto significativo na eleição de Fernando Henrique Cardoso para a presidência em 1994, já que proporcionou um ambiente de confiança e credibilidade, que favoreceu a sua candidatura. Sua associação direta com o plano econômico bem sucedido foi um fator determinante em sua eleição.

A estabilidade econômica resultante do Plano Real não só melhorou a qualidade de vida dos brasileiros, como também consolidou a transição democrática do país. A eleição de Fernando Henrique Cardoso representou a continuidade das políticas econômicas de estabilização e a implementação de reformas estruturais que visavam modernizar a economia brasileira e integrá-la mais efetivamente no cenário global.

Nossa reflexão sobre os 30 anos do Plano Real revela a importância desse marco na história recente do Brasil, que não representou apenas um viés econômico, mas também abriu caminho para um período de fortalecimento das instituições democráticas. A experiência nos mostra a importância de políticas econômicas sustentáveis, a necessidade contínua de reformas para enfrentar os desafios econômicos persistentes e o zelo constante pela democracia.

Priscila Lapa, jornalista e doutora em Ciência Política; Sandro Prado, economista e professor da FCAP-UPE.

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