Os 40 anos da Lei de Execução Penal

Desde a sua aprovação, a atual Lei vem sofrendo profundas mudanças legislativas, quase sempre leis que combatem a humanização da pena.

Publicado em 11/07/2024 às 0:00 | Atualizado em 11/07/2024 às 6:57

Em 11.07.1984 foi publicada a Lei Federal nº 7.210, que entrou em vigor na mesma data da grande reforma introduzida na Parte Geral do Código Penal de 1940. Nesses 40 anos de existência, a Lei de Execução Penal, em verdade, tem muito pouco para ser comemorada, exceto o seu magnífico texto original, que é vangloriado em todos os recantos do mundo. O atual Código de Execução Penal português e espanhol, espelharam-se em grande parte nos dispositivos da LEP brasileira, face às suas inovações prudentes e atualizadas, sem contar o espírito norteador das suas regras, predominantemente em consonância com a profícua necessidade de humanizar a pena, seguindo os ensinamentos do italiano Cesare Beccaria (dos delitos e das penas), e com os ideais da Revolução Francesa (fraternidade, liberdade e igualdade).
Antes da Lei nº 7.210, muitas foram as tentativas no sentido de aprovar e introduzir. No Brasil, normas executórias que regulassem a matéria, sem sucesso. Em 1933, uma Comissão integrada por Cândido Mendes de Almeida, José Gabriel de Lemos Brito e Heitor Carrilho apresentou ao governo um anteprojeto de Código Penitenciário da República, encaminhado dois anos depois à Câmara dos Deputados, por iniciativa da bancada da Paraíba, e cuja discussão ficou impedida com o advento do Estado Novo. Em 1941, com a aprovação do atual Código de Processo Penal, deu-se a introdução de um capítulo dedicado exclusivamente à execução da pena, mas que de há muito restaram em desuso e ultrapassadas pelo tempo.
Entre 1955 e 1963, respectivamente, os eminentes juristas Oscar Stevenson e Roberto Lyra traziam a lume os anteprojetos para um Código das Execuções Penais, que haviam elaborado, e que não chegaram à fase de revisão. Objetava-se, então, à constitucionalidade da iniciativa da União para legislar sobre as regras jurídicas fundamentais do regime penitenciário, de molde a instituir no País uma política penal executiva.
De fato, contentou-se, porém, o governo Juscelino Kubitschek, com a sanção, em 2.10.1957, com a aprovação da Lei nº 3.274, hoje revogada, que dispunha sobre as normas gerais de regime penitenciário em benefício dos detentos, regras que ficaram no papel, pois o texto obrigava o preso a contribuir com a previdência social, para a sua filiação, tornando a lei impossível de ser aplicada na prática.
Finalmente, em 29.10.1970 o coordenador da Comissão de Estudos Legislativos, professor José Carlos Moreira Alves, encaminhou ao então ministro da Justiça, Alfredo Buzaid, o texto de um anteprojeto de lei para um Código das Execuções Penais, elaborado pelo professor Benjamin Moraes Filho e revisto por uma comissão composta pelos professores José Frederico Marques, José Salgado Martins, Everardo da Cunha Luna e José Carlos Moreira Alves.
Depois de 14 anos de tramitação no Congresso Nacional, foi do anteprojeto de Benjamim Moraes que surgiu a atual Lei nº 7.210, que transformou a matéria, que deveria ser codificada, numa simples lei ordinária. Pode-se afirmar, por isso, que o Brasil, naquela oportunidade, perdeu a grande oportunidade de aprovar um Código de Execução Penal e um Código de Processo de Execução Penal.
Embora a atual Lei de Execução Penal seja um primor, não há como comparar uma norma codificada com uma lei que simplesmente tratou de dispor de algumas partes da execução da pena, deixando lado, por exemplo, a sua essência processual. De 1984 até hoje, os operadores da execução da pena são obrigados a utilizar o Código Penal de 1940 e o Código de Processo Penal de 1941, como fonte subsidiária, face à ausência de regras codificadas de execução e que de há muito fazem falta ao ordenamento jurídico nacional.
Desde a sua aprovação, a Lei atual de Execução Penal vem sofrendo profundas mudanças legislativas, quase sempre com a aprovação de leis que a cada dia mais combatem a humanização da pena e a reinserção social do condenado, dois pilares fundamentais que foram sedimentados pelo legislador de 1984. De lá pra cá, sem dúvidas, as alterações realizadas na LEP, quase sempre retratam a redução dos direitos dos presos, o recrudescimento da execução da pena e o retorno ao “Direito Penal do Terror”, contrariando, ademais, tratados internacionais que o Brasil vem celebrando, sem contar que a visão retrógrada e desumana dos nossos legisladores, nos últimos tempos, comprovam um retrocesso sem precedentes na história brasileira.
A criação de novos crimes, o aumento das penas de prisão, a manutenção exagerada dos presos no cárcere, com quase nenhuma preocupação com a recuperação do condenado, infelizmente, têm sido o motivo maior para se assegurar que nesses 40 anos da Lei de Execução Penal, ainda falta muito para se comemorar. A transformação de algumas penas em sanções administrativas (multa, por exemplo), para os crimes de menor potencial ofensivo, como fez o STF recentemente, é uma urgência legislativa que a boa política criminal exige e que deve fazer parte da pauta do Congresso Nacional.


Adeildo Nunes, juiz de Direito aposentado, professor e coordenador do curso de pós-graduação em Ciências Criminais da Faculdade Damas do Recife, doutor e mestre em Direito de Execução Penal.

 

Tags

Autor