Salvo pelo gongo
Basta uma rápida leitura para notar o desequilíbrio entre a proteção de direitos e o incentivo à inovação. Fala-se muito de riscos......

O recesso legislativo adiou a votação do PL nº 2.338/2023. Apesar do protesto do seu autor, o senador Rodrigo Pacheco (PSD-MG), o adiamento é bem-vindo. O chamado Marco Legal da Inteligência Artificial (IA) ainda não está maduro para ser votado.
Basta uma rápida leitura para notar o desequilíbrio entre a proteção de direitos e o incentivo à inovação. Fala-se muito de riscos. Quase nada de competição.
As preocupações diante das IAs são essenciais. Os riscos de violação da privacidade, desinformação e até discriminação não são pequenos. Só que há muito a perder em uma regulação exagerada antes mesmo da existência de um mercado brasileiro de IA.
Basicamente, o PL nº 2.338/2023 propõe uma regulação baseada em direitos (arts. 1º-11) e controle de riscos (arts. 12-33).
De um lado, direitos transversais que orientam o desenvolvimento ético e responsável das IAs. De outro, diferentes níveis de controle a depender da finalidade da IA e os riscos envolvidos.
Quanto maior o risco, maiores as exigências. O impasse é que mesmo sistemas de baixíssimo risco estarão sujeitos a algum nível de controle. Isso significa tempo e dinheiro para que as exigências sejam cumpridas, inclusive pelas startups.
Além disso, a caracterização de "alto risco" pelo PL nº 2.338/2023 é excessivamente genérica, a exemplo de "aplicações na área da saúde para auxiliar diagnósticos e procedimentos médicos" (art. 14, VIII). Boa parte das IAs serão assim definidas, ficando sujeitas a obrigações complexas e que beneficiam justamente as big techs, as mais aptas a cumpri-las.
A lei brasileira se diferencia da norte-americana (AI Executive Order) e da inglesa (Pro-innovation Approach to AI Regulation), ambas focadas em princípios gerais que orientam o desenvolvimento de IAs.
A regulação baseada em riscos do PL nº 2.338/2023 é semelhante à recém-aprovada lei europeia, onde há uma categorização de riscos similar à lei brasileira. A diferença é que o EU AI Act não ficou só nisso, já que propõe vários instrumentos e estímulos para que a Europa seja competitiva na corrida das IAs.
O PL nº 2.338/2023 se limitou a prever o sandbox regulatório (art. 53) e incentivos genéricos (arts. 54, 57 e 67). O restante do projeto enfatiza apenas os aspectos temerários da tecnologia, em detrimento de estímulos para a pesquisa e o desenvolvimento de IAs benéficas para a sociedade.
O presidente Lula recentemente defendeu a criação de uma "IA do Sul Global" em discurso na sede da Organização Internacional do Trabalho (OIT). A aprovação prematura do PL nº 2.338/2023 colocaria em xeque essa ambição, pois a perda de competitividade e a dependência da importação de tecnologia seriam algumas de suas consequências mais prováveis.
Fica o apelo para que os parlamentares retomem o assunto sem pressa, com a mesma profundidade que caracterizou a discussão do Marco Civil da Internet e da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais.
Rodrigo de Abreu Pinto, advogado, filósofo e diretor da Câmara de Comércio Brasil-Portugal