ARTIGO DE GABRIELA CAMAROTTI: "Só aprende verdadeiramente quem se emociona"

Estudos neurocientíficos mostram que as emoções desempenham um papel crucial na formação de memórias e na aprendizagem significativa

Publicado em 27/07/2024 às 16:44

O filme Divertidamente 2, recentemente lançado no Brasil, trouxe novamente à tona a discussão sobre a importância das emoções para o pleno desenvolvimento humano. Para quem trabalha com educação, esse tema deveria estar em pauta há muito tempo, integrando todas as estratégias e decisões pedagógicas e estruturais de uma escola.

Nas décadas de 1970 e 1980, as pesquisas iniciais sobre plasticidade cerebral, ou seja, a capacidade do cérebro de criar novos neurônios, começaram a ser reconhecidas. Já nos anos de 1990, nos Estados Unidos, considerados como a ‘Década do Cérebro’, designada pelo Congresso Americano, refletiu um aumento significativo no financiamento das pesquisas sobre a desenvoltura e a capacidade do cérebro humano. Durante esse período, avanços consideráveis foram feitos na compreensão da estrutura e do funcionamento cerebral, incluindo como o processo do aprendizado e da memória ocorre em nível neural.

Mas foi no final do século XX que as pesquisas que conectavam neurociência e processos de aprendizagem começaram a ganhar destaque.

A neurociência confirma que o cérebro humano é altamente plástico, capaz de mudar e de se adaptar em resposta às experiências e estímulos do ambiente. Portanto, ambientes educacionais enriquecedores e estimulantes promovem o desenvolvimento de redes neurais complexas e ampliam a capacidade cognitiva dos alunos.

Por outro lado, ficou constatado que ambientes estressantes ou desmotivadores podem prejudicar o aprendizado e o desenvolvimento cerebral.

O livro Como o Cérebro Aprende (em inglês How the Brain Learns), escrito pelo especialista em educação David A. Sousa, aborda, de forma muito didática, como o cérebro processa e retém informações, oferecendo estratégias práticas baseadas em pesquisas científicas para melhorar o ensino e a aprendizagem. O autor explora temas como a importância do sono, as diferentes formas de memória e a influência das emoções na aprendizagem, destacando a necessidade de as escolas revisarem suas abordagens em sala de aula, seus espaços de aprendizagem e, não menos importante, a relação entre professores e alunos.

Salas lotadas, aprendizagem mecânica, foco excessivo no conteúdo, professores como únicos detentores do conhecimento, e alunos sem espaço para dialogar, opinar, discutir, tirar dúvidas ou expressar seus sentimentos definitivamente não criam a equação de sucesso para uma aprendizagem significativa.

Estudos neurocientíficos mostram que as emoções desempenham um papel crucial na formação de memórias e na aprendizagem significativa, essenciais para a consolidação das informações. Experiências emocionalmente positivas aumentam a liberação de neurotransmissores, fortalecendo as conexões sinápticas e facilitando a retenção de conhecimento. Portanto, é fundamental que os estudantes se sintam bem no ambiente escolar, que estabeleçam conexões com os professores e se sintam confortáveis no espaço de aprendizagem.

Conforme observado e comprovado nas pesquisas realizadas pelo físico e especialista em neurociência Guilherme Brockington, "as emoções são como cola para o cérebro, ajudando a fixar experiências e informações na memória de longo prazo". Esta metáfora ilustra como eventos emocionalmente carregados são mais propensos a serem lembrados do que aqueles sem impacto emocional. Portanto, histórias envolventes, desafios instigantes durante as aulas e um ambiente de apoio emocional podem ajudar os alunos a reter informações de maneira mais eficaz.

Brockington ainda sugere que os educadores precisam estar cientes do estadoemocional dos alunos para criarem um ambiente que promova sentimentos positivos paraotimizar a aprendizagem.

O filósofo e sociólogo francês Edgar Morin, conhecido por sua teoria da complexidade e por defender a abordagem transdisciplinar do conhecimento, propõe uma visão holística da educação na qual diferentes disciplinas e aspectos do ser humano estão interligados — emocionais, sociais e cognitivos. Embora Morin não seja neurocientista, suas ideias sobre a educação e o conhecimento têm pontos de interseção significativos com as descobertas da neurociência sobre emoção e aprendizagem.

No Brasil, assim como em países mais desenvolvidos, existem escolas e universidades que estão na vanguarda, preocupando-se em estudar, inovar, renovar e promover mudanças constantes para atender às necessidades de crianças e adolescentes com estilos de aprendizagem diversos e personalidades únicas. É imperativo adaptar as práticas pedagógicas para essa nova geração de estudantes, o que inclui:

  • Salas com número reduzido de alunos: turmas menores permitem uma interação mais individualizada entre alunos e professores, promovendo um ambiente acolhedor e propício para a aprendizagem;
  • Interação e participação ativa: estratégias pedagógicas que incentivem a participação dos alunos, estimulando debates, discussões e projetos colaborativos que integrem suas experiências pessoais e emocionais, tornando as aulas mais significativas e interessantes;
  • Adoção de tecnologia na medida certa: a utilização de tecnologias educacionais deve ser orientada para melhores práticas, de maneira personalizada e por tempo determinado;
  • Foco no bem-estar emocional: toda a comunidade escolar deve preocupar-se com o bem-estar dos estudantes, promovendo o desenvolvimento da inteligência emocional e de habilidades socioemocionais;
  • Inclusão: promover o respeito e relacionamentos positivos entre professores e alunos -bem como entre os próprios estudantes - é essencial para a autoestima, pertencimento e segurança necessários à aprendizagem;
  • Acompanhamento individualizado: auxiliar os estudantes a entender e navegar em suas curvas de aprendizado e desenvolvimento, além de apoiá-lo sem estratégias individuais, estabelece uma relação de confiança que promove o prazer pela aprendizagem.

Ao implementar essas estratégias, cria-se um ambiente escolar mais envolvente e emocionalmente positivo, facilitando a transformação de informações em conhecimento duradouro, mesmo em áreas do currículo que são mais densas, como acontece no Ensino Fundamental II.

Cuidar das emoções é um componente essencial do processo de aprendizagem. Ao reconhecer e utilizar a conexão entre emoção e aprendizado, podemos desenvolver métodos de ensino mais eficazes e criar experiências educacionais que realmente ressoem com os alunos. Estar abertos à inovação e ao desenvolvimento contínuo, assegurando que o ambiente educacional seja inclusivo e estimulante, é crucial para preparar os aprendizes para desafios que enfrentarão nas próximas etapas de suas vidas.

Gabriela Camarotti é Diretora Pedagógica do Ensino Fundamental I e II da Escola Vila Aprendiz

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