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Kamala, Biden e a defesa da democracia

Que a eleição de Kamala Harris à Presidência dos Estados Unidos seja uma contundente reafirmação nesse sentido. Não dá para hesitar......

Publicado em 07/08/2024 às 0:00 | Atualizado em 07/08/2024 às 11:12

É das mais conhecidas a canção do mineiro de Três Pontas, Sílvio Britto, "Parem o mundo que eu quero descer", lançada em 1990. Hoje, 2024, seu refrão resume o status delicado do mundo ocidental no debate político a partir dos EUA.

Como a lucidez possibilita recordar, faltando poucos dias para a mais recente posse presidencial americana em 20 de janeiro de 2021, simpatizantes enfurecidos do então mandatário Donald Trump invadiram e vandalizaram o prédio do Capitólio, havendo, inclusive, vítimas fatais entre as forças de segurança que tentaram impedi-los.

A turba não agiu por combustão espontânea ou sponte propria. Não. Moveu-se depois e em resposta às palavras ditas da boca do próprio Presidente, entornando o caldo de uma narrativa desafiadora da autoridade moral do Congresso e contra a presunção de seriedade do sistema eleitoral. Naquele dia, o Legislativo se preparava para certificar a vitória do democrata Joe Biden.

Trump (então derrotado na reeleição) repetia insistentemente alegações (infundadas) de que houvera fraude no processo. Portanto, segundo a sua lógica das coisas, se as instituições não admitiam a fraude e não o declaravam reeleito, a pressão popular faria o dever de casa. O ataque dos trumpistas acabou interrompendo a sessão congressual e forçou parlamentares de ambos os partidos e até o Vice-Presidente Mike Pence, que conduzia os trabalhos, a se esconderem. Cenas inimagináveis. Porém, não alcançou o objetivo maior.

O ponto é o seguinte. Trump concitou a multidão à insurreição, a rebelar-se. Não é pouca coisa. Não se discute que o fez. As exatas palavras do Presidente foram: "Vamos caminhar até o Capitólio. Você nunca vai tomar de volta nosso país com fraqueza. Você tem que mostrar força, e tem que ser forte". Não satisfeito, afirmou em seguida que Mike Pence, seu Vice, e Presidente do Congresso, deveria ter "a coragem de fazer o que tem que fazer", alegando, de rebote, e sem fundamento, que Pence, como líder da sessão, tinha o poder constitucional de invalidar os votos do Colégio Eleitoral que estavam sendo formalmente contados no plenário do Congresso naquela data. Mentira.

Ora, decorridos quase quatro anos desse terremoto, e como se o passado nada significasse, Trump retorna como candidato (competitivo) à Casa Branca. Biden, fragilizado pelo peso do tempo, cede e resolve não concorrer. Colocou o País na frente. Respaldou o nome de sua Vice, Kamala. O risco de retrocesso é tangível aos dedos. Como decantar racionalidade na fórmula dos últimos meses?

Só há uma única conclusão. A de que, mesmo frustrante, não deve ser desesperador, o cenário. É necessário lutar. É preciso não desmobilizar. As vozes lúcidas precisam unir-se para conscientizar cada vez mais gente de que uma candidatura que revela em seu DNA, desprezo à democracia não pode vencer nas urnas, ou se praticará a eutanásia contra a própria democracia.

O preço da liberdade, hoje mais do que nunca, é a eterna vigilância. No paralelismo com o Brasil, cujos radicais replicaram o mau exemplo pós-eleição nos EUA dois anos mais tarde, no 8 de janeiro de 2023, também por esses lados fomentou-se a falácia da eleição "roubada", fraudulenta e não auditada. Tudo mentira. Mas de mentiras bem urdidas vive o pensamento político antidemocrático. Por isso ele é tão contagioso e tão tóxico.

É à luz dessa realidade que devem ser vistos como elos de uma equação suprapartidária a desistência de Biden e seu endosso ao nome da Vice Kamala Harris. Longe de reducionismos etaristas, é essencial a união em torno de Kamala contra os pseudopatriotas que usam da promessa de defesa da democracia para atentar contra ela.

Filha de pai jamaicano e mãe indiana, nasceu na Califórnia, onde se graduou em Ciências Políticas e Economia e logo se destacou. Chegou a ser Promotora de Justiça e alçou à condição de segunda mulher negra a chegar ao Senado. Não conquistou vitórias pessoais à toa. Está habituada a superar barreiras.

Em nome do futuro da democracia, as condições estruturadoras básicas devem estar lançadas no momento presente. Que a eleição de Kamala Harris à Presidência dos EUA seja uma contundente reafirmação nesse sentido. Não dá para hesitar.

Gustavo Henrique de Brito Alves Freire, advogado

 

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