Como funciona uma pesquisa eleitoral?

Existem duas motivações para usar amostras em pesquisas. A primeira é econômica. Um levantamento censitário custa caro. Outra, é o tempo

Publicado em 15/09/2024 às 5:00

Se você já foi à praia e pediu uma provinha do caldinho, você está usando o mesmo método que os cientistas usam para fazer uma pesquisa de intenção de voto. Não é necessário tomar toda a garrafa para avaliar o sabor, a consistência e o nível de sal. Na pesquisa eleitoral, a lógica é similar. Não precisamos entrevistar todos os eleitores para identificar as principais preferências políticas de uma determinada localidade. Basta examinar uma parte, uma provinha, que chamamos de amostra. É a partir de informações disponíveis da amostra que podemos tirar conclusões válidas e confiáveis para a totalidade dos casos de interesse, que chamamos de população. Lembrando que o contexto importa bastante, a pesquisa eleitoral é uma fotografia e se move mediante diversos fatores. Portanto, nem sempre o caldinho vai estar fresquinho e saboroso!

Existem duas principais motivações para usar amostras em pesquisas. A primeira é econômica. Um levantamento censitário, que significa entrevistar todas as pessoas da população, tal qual faz o IBGE, é muito caro. E é por isso que apenas é realizado uma vez por década. A segunda motivação que justifica o uso de amostras é o tempo. Colher informações para todos os casos de interesse pode demorar muito, o que por sua vez pode inviabilizar o próprio processo de levantamento dos dados. Por exemplo, examinamos 5.734 pesquisas de intenção de voto realizadas no Brasil entre 1 de dezembro de 2023 e 3 de setembro de 2024 e encontramos que a média de tempo para coletar os dados é de apenas dois dias. Em uma frase: usamos amostras porque elas são mais baratas e mais rápidas e ao mesmo tempo, quando bem desenhadas, são eficientes em expressar as vontades daquele momento.

Talvez outro exemplo nos ajude. Se você já fez exame de sangue, com certeza a enfermeira não extraiu todo o seu plasma, plaquetas, glóbulos brancos e vermelhos. Caso contrário, você nem estaria lendo essa coluna. Observe que a lógica é a mesma: a partir de uma pequena amostra podemos compreender o todo. Esse processo a ciência chama de inferência! Agora, muita atenção. Para que esse procedimento dê certo, é necessário respeitar um conjunto de regras, tal qual uma boa receita de canjica. Senão o negócio pode desandar rapidamente e ficar com gosto de sabão. Da mesma forma que não podemos comer uma feijoada e depois fazer um exame de triglicerídeos, uma pesquisa eleitoral não pode entrevistar apenas eleitores que aprovam o governo. Se isso for feito, as opiniões colhidas não serão um retrato adequado da realidade, assim como o seu exame de sangue será inútil para informar o seu diagnóstico. Para usar uma expressão bem conhecida em Pernambuco, a amostra não pode ser “fuleira”.

Em ciência, a qualidade da informação é essencial, tal qual os ingredientes do caldinho. Um procedimento que melhora muito a qualidade da informação é escolher os casos de forma aleatória de modo que qualquer pessoa possa ser entrevistada. Os estatísticos têm um nome bonito para isso: equiprobabilidade, que nada mais é do que a mesma chance. Esse requisito garante, com segurança científica, que os resultados encontrados para a amostra descrevem adequadamente as características da população. Os institutos de pesquisa sabem disso e geralmente desenham seus planos amostrais considerando as características conhecidas da população. Assim, as amostras são pensadas para refletir aspectos de renda, escolaridade, sexo e idade, por exemplo.

Agora que você já entendeu os conceitos de amostra, população e inferência, o próximo passo é compreender o papel da margem de erro e do nível de confiança em uma pesquisa eleitoral.

A margem de erro de uma pesquisa indica a proximidade entre os resultados da amostra e os verdadeiros valores da população. Essencialmente, ela reflete o erro máximo, uma vez que apenas uma parte da população está sendo examinada. Por exemplo, uma margem de erro de ±3% significa que os resultados reais estão dentro de 3% dos resultados da pesquisa, para mais ou para menos. Se a intenção de voto é de 50%, por exemplo, o resultado verdadeiro deve estar entre 47% e 53%. Em uma palavra: a margem de erro é uma medida de precisão da pesquisa.

Quanto menor, mais preciso o diagnóstico. Esse intervalo de erro é diretamente influenciado pelo tamanho da amostra: quanto maior a amostra, menor a margem de erro, supondo que tudo mais permanece em Condições Normais de Temperatura e Pressão. No entanto, aumentar o tamanho da amostra geralmente envolve custos adicionais e logística mais complexa, o que nem sempre é viável.

Por sua vez, o nível de confiança é uma medida de certeza de que a margem de erro inclui o verdadeiro valor da população. Em outras palavras, é a probabilidade de que a margem de erro calcule corretamente a variação entre a amostra e a população total. Comumente, o nível de confiança utilizado em pesquisas eleitorais é de 95%. Isso significa que se a pesquisa fosse repetida cem vezes, em 95 vezes os resultados estariam dentro da margem de erro estipulada. Esse nível é um balanço entre segurança e custo, permitindo uma confiança razoável sem exigir uma amostra proibitivamente grande.

As pesquisas eleitorais, fundamentadas em rigorosos princípios científicos de amostragem e inferência, desempenham um papel chave na democracia moderna. Elas fornecem uma fotografia instantânea das preferências políticas e amplificam vozes individuais ao extrapolar opiniões de uma amostra para a população. Este processo permite que tanto eleitores quanto políticos entendam melhor as tendências predominantes e as demandas cívicas, contribuindo para um debate público mais informado e uma tomada de decisão mais precisa. Entretanto, como toda atividade humana, há toda uma sorte de especuladores comportamentais, mercadores de facilidades, artistas da ilusão! Um caldinho mal preparado pode levar à emergência, uma pesquisa mal feita ao fracasso e à desinformação.

“Amigão, por favor, vou querer o de Sururu”.

Este artigo é o primeiro de uma série de três textos sobre pesquisas eleitorais.

Dalson Figueiredo (PPGCP/UFPE)
Ernani Carvalho (PPGCP/UFPE)
Maria do Carmos Soares (PPGCP/UFPE)

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