Poucos sabem, mas a Guararapes já foi chamada Avenida 10 de Novembro
Hoje, prédios desocupados, outros transformados em faculdades. Nunca mais teve o brilho anterior e hoje só se destaca no roteiro do desfile do Galo

Há alguns anos foi feita uma pesquisa para descobrir qual a avenida que era a cara do Recife. Não foi a glamorosa Avenida Boa Viagem, nem a recordista em tamanho Avenida Caxangá. A escolhida foi a Avenida Guararapes. É uma via icônica, que na época era o eixo principal do centro da cidade, com intensa movimentação e muito "glamour".
Foi projetada no fim de década de 1920, por dois engenheiros que acabaram virando nome de avenidas importantes da cidade: José Estelita e Domingos Ferreira. Trabalharam juntos com o arquiteto Nestor de Figueiredo e a via tinha como principal finalidade resolver o complicado trânsito na área. Sua construção exigiu a derrubada de 18 quarteirões, um conglomerado de muitas casas que formavam pequenas ruas, becos estreitos, tristes vielas, que surgiram depois da realização de aterros. A construção da Avenida Guararapes começou em 1937, o ano em que Getúlio Vargas deu um golpe de estado e instalou o "Estado Novo". Um detalhe que pouca gente sabe; seu primeiro nome foi Avenida 10 de Novembro, homenagem à data daquele golpe.
Seu projeto segue uma linha arquitetônica que era destaque no Rio de Janeiro, com os edifícios tendo calçadas cobertas, algo que remete muito ao visual de Paris. Pessoalmente sempre me lembra a "Rue de Rivoli", onde fica o Museu do Louvre, cheia de lojinhas que vendem souvenires, sempre cheias de turistas,
O prefeito da época, Novaes Filho, conseguiu com diversos órgãos federais a construção de grandes edifícios na avenida, como os Institutos de Previdência e a sede dos Correios, na cabeceira que dá para a Ponte Duarte Coelho, que muita gente hoje, chama de "Ponte do Galo" pois nela é colocado o modelo gigante do Galo da Madrugada, nos dias de carnaval.
Avenida Guararapes vai daquela ponte até a Praça da Independência, conhecida como a "Pracinha do Diário". Muitos dos edifícios da época se tornaram históricos, como o Almare, o Santo Albino, que abrigava consultórios de médicos famosos, o Sulacap. E tinha o Savoy, um bar que marcou época na cidade e inspirou o famoso poema "Chopp" de Carlos Penna Filho, que estaca nas paredes da casa: "São trinta copos de chopp, são trinta homens sentados, trezentos desejos presos, trinta mil sonhos frustados". Tinha clientes como Ariano Suassuna, Lula Cardoso Ayres, Capiba, Ascenso Ferreira, Anibal Fernandes, Mario Melo, Gustavo Krause, Aníbal Fernandes, Antônio Camelo, Vicente do Rêgo Monteiro, Mauro Mota De lá recordo sua irresistível salada de bacalhau.
Um dos primeiros prédios construídos na Guararapes foi o Trianon, projetado por Rino Levi e inaugurado em 1940. No térreo funcionava o Cinema Trianon com 611 lugares e durante muitos anos famoso por exibir filmes, digamos pornô, impróprios para menores de 18 anos, regra muito desrespeitada. Eram bem menos explícitos que algumas novelas da televisão de hoje. Na esquina com a Rua da Palma, funcionou um café, que era o point das discussões, na época tranquilas, entre os torcedores de futebol. Até Argemiro Félix de Sena, conhecido como "Sherlock", o juiz mais famoso da época, aparecia para tomar um cafezinho e ouvia críticas por suas arbitragens. Outras presenças constantes era o técnico Palmeira e o presidente da Federação Pernambucana de Futebol, Rubem Moreira. Foi o café trouxe as primeiras máquinas de café expresso do Recife, da marca italiana "Gaggia."
Tinha também o "Salão Suez", barbearia dos bacanas da cidade; a sorveteria "Botijinha"; a "Cláudia", uma das lojas mais elegantes da cidade e a Loja Seta para homens, com suas confecções Pool, do Grupo Guararapes do Rio Grande do Norte. E também as agências, sempre cheias, das empresas aéreas TAP, Varig, Loyde Aéreo, Vasp, Panair do Brasil, além de agências de vários bancos, como o Banco do Brasil, o Banorte, o Banco Industrial de Pernambuco.
A banca de revista Globo, do jornalista do Jornal do Commercio José do Patrocínio de Oliveira, que existe até hoje, surgiu de um espaço que vendia os jornais do Sul, que chegavam no início das tardes e eram muito procurados. E também tinha dezenas de cadeiras de engraxates, alguns que se tornaram famosos pelos clientes que tinham. Era comum, por exemplo, encontrar governadores, secretários, senadores, deputados dando um brilho nos seus sapatos.
Nos anos 90 entrou em decadência. Hoje muitos prédios estão desocupados, outros transformados em faculdades. Nunca mais teve o brilho anterior e atualmente só se destaca no roteiro do desfile do Galo da Madrugada. Recentemente a Prefeitura implantou o programa "Viva Guararapes", que realiza programações aos domingos.
João Alberto Martins Sobral, editor da coluna João Alberto no Social 1