Como impugnar uma pesquisa eleitoral?
Sem informações sobre como as pesquisas eleitorais foram realizadas, o rigor exigido pela legislação eleitoral torna-se ineficaz,

Afinal é importante saber como impugnar uma pesquisa eleitoral? Apesar de pouco difundido, a impugnação faz parte de um ato de vigilância social sobre as pesquisas eleitorais. Este ato desempenha um papel crucial na preservação da integridade, transparência e confiabilidade do processo democrático. As pesquisas eleitorais influenciam a opinião pública e podem impactar a percepção dos eleitores sobre candidatos e tendências eleitorais. O ato de impugnar, quando baseado em evidências de fraude, preserva a transparência e confiabilidade na democracia. Também educa e esclarece a população e chama as instituições à responsabilidade.
A Resolução Nº 23.600, de 12 de dezembro de 2019, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), estabelece as normas para o registro e divulgação de pesquisas eleitorais. Para tornar públicos os resultados, as empresas devem catalogar diversas informações no Sistema de Registro de Pesquisas Eleitorais (PesqEle). Entre as exigências da legislação estão: a) identificação do contratante, com o número do CPF para pessoas físicas ou do CNPJ para pessoas jurídicas; b) custo da pesquisa, mesmo que tenha sido financiada com recursos próprios; c) metodologia utilizada na coleta dos dados, bem como o período de realização do levantamento; d) descrição do plano amostral e das ponderações aplicadas, acompanhadas das respectivas fontes, além da apresentação do nível de confiança e da margem de erro; e) explicação sobre o funcionamento do sistema de controle de qualidade e verificação de consistência dos dados obtidos no campo; f) questionário completo; g) cópia da nota fiscal; h) nome e registro do profissional de Estatística responsável pela pesquisa; i) indicação das localidades abrangidas (cidades e estados) e dos cargos em disputa.
Teoricamente, essas informações deveriam ser suficientes para garantir a transparência e confiabilidade dos resultados das pesquisas eleitorais. No entanto, como diz o ditado, na prática a teoria é outra. Examinamos o teor de diferentes propostas legislativas sobre o assunto e encontramos que parece existir um certo medo em relação às pesquisas eleitorais. Por exemplo, Rubens Otoni (PT-GO) é autor do Projeto de Lei 110/23 que veda a divulgação de pesquisas eleitorais no período de 30 dias que antecede o pleito, até o encerramento da votação. A motivação é, segundo o autor, evitar a influência dos resultados das pesquisas eleitorais sobre as preferências políticas dos eleitores.
Em 2022, a Câmara dos Deputados aprovou um requerimento de urgência para acelerar a tramitação de um projeto que previa multa para institutos de pesquisa que divulgassem resultados fraudulentos, entendendo por fraude quando o resultado da eleição ficar fora da margem de erro do que foi publicado pelos institutos. Então, se o instituto A reportou que o candidato W teria 30% de intenção de votos, com margem de erro de 3%, resultados abaixo de 27% e acima de 33% seriam considerados fraudes. O então deputado Ricardo Barros (PP-PR) também apresentou um projeto que, além de multa, previa prisão de quatro a dez anos para responsáveis por pesquisas com números diferentes do resultado oficial. Uma pena quase tão gravosa quanto o crime de estupro que comina reclusão de seis a dez anos. Fábio Henrique (UNIÃO/SE) apresentou o PL 2863/2024 que sugere proibir a divulgação de pesquisas eleitorais nos quarenta dias anteriores ao pleito eleitoral. Lucas Redecker (PSDB/RS) é autor do PL 574/2021 que propõe vedar a realização de pesquisas e testes pré-eleitorais em período de campanha eleitoral. Ou seja, existem evidências conclusivas de que os resultados das pesquisas eleitorais são compreendidos com forte potencial de alterar o desfecho das eleições, "mitigando a liberdade do eleitor e solapando a democracia", para usar a expressão contida na justificativa do referido projeto.
Legalmente falando, a resolução Nº 23.600 determina que Ministério Público, candidatos, partidos políticos e as coligações podem impugnar o registro ou a divulgação de pesquisas eleitorais perante o juízo competente. Para tanto, o pedido de impugnação deve tramitar via Processo Judicial Eletrônico (PJE), na classe Representação (Rp). Mas, qual seria o fundamento para impetrar, como gostam de falar os advogados, um pedido de impugnação?
Em uma pesquisa eleitoral, como qualquer levantamento de dados, importa menos o que se diz que vai ser feito e mais o que de fato foi realizado. O papel aceita tudo, talvez escreva um dia Paulo Coelho. Na descrição registrada junto ao TSE, a amostra pode ser perfeita. A estratificação, impecável. A taxa de não resposta, nula. Na prática, porém, o pesquisador usa dados do Censo de 2010 para ponderar sexo e o nível socioeconômico mesmo tendo a mão as informações mais recentes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua - PNAD Contínua do IBGE. Por conveniência, usa os dados do TSE para ponderar a escolaridade (o que pode gerar forte viés) e nenhum instituto reporta, no melhor do nosso juízo, taxas de não resposta e problemas ocorridos no campo. A verificação de 15% a 20% que muitas empresas dizem fazer como o IBGE realmente faz, simplesmente não parece crível, seja pela rapidez da coleta seja pelo preço declarado na nota fiscal pela prestação dos serviços.
Um elemento importante seria exigir dos institutos o fornecimento das planilhas com os dados coletados. Procedimentos estatísticos de anonimização poderiam ser aplicados para proteger a identidade dos participantes e os dados poderiam ficar públicos para fins de controle, transparência e pesquisa científica. A divulgação de pesquisa fraudulenta constitui crime conforme a Lei nº 9.504/1997, arts. 33, § 4º e é punível com detenção de seis meses a um ano e multa no valor de R$ 53.205,00 a R$ 106.410,00. No entanto, na ausência dos microdados, é muito difícil, talvez impossível comprovar a fraude. Imagine provar irregularidades em compras de cartão de crédito sem a fatura do cartão? Ou, verificar a autenticidade do resultado de uma eleição sem as informações detalhadas dos dados por seção eleitoral? É mais ou menos o mesmo problema. Sem informações sobre como, de fato, as pesquisas eleitorais foram realizadas, o rigor exigido pela legislação para punir levantamentos eleitorais fraudulentos torna-se ineficaz, e a confiança nas pesquisas continuará vilipendiada.
Este artigo é o último de uma série de três textos sobre pesquisas eleitorais.
Ernani Carvalho (PPGCP/UFPE)
Dalson Figueiredo (PPGCP/UFPE)